Em tempos de farta exploração de
caminhos exotéricos para acessos especiais a vantagens raras auferidas por Deus
e privilegiadas pela sua particular afinidade com o senhor das graças Deus, não
faltam os que se sentem superiores devido às informações precípuas que lhes estariam
sendo concedidas por Deus ou pelo Espírito Santo. Sobretudo no Movimento
carismático, multiplicam-se cada dia mais os casos em que as pessoas narram a
respeito de como o Espírito Santo lhes mandou tomar certos procedimentos e lhes
disse o que falar para outras pessoas. Tais procedimentos parecem pender mais
para o alargamento de arrogantes presunções de que o Espírito Santo estaria a
lhes conceder informações privilegiadas. Por isso repetem que “Ele me mandou
dizer”...
Primeiramente, tal quadro levanta
aquela dúvida que Emmanuel Kant já fez há séculos passados, em relação à moral
heterônoma: é realmente Deus ou o Espírito Santo que falam tais coisas? E
porque só para alguns, quando Jesus pregava a proposta de um povo sacerdotal...
Quando as ditas inspirações são tão banais e tão eivadas de senso comum, emerge
a evidente desconfiança básica: não teriam sido meramente estratégias de uma
auto-atribuição, feitas por alguém que quer se afirmar sobre outros, e que
recorre ao falacioso argumento de que o Espírito Santo mandou dizer isso e mais
aquilo, ou tomar estes ou aqueles procedimentos. Tudo indica que se trata de
mero recurso apelativo para afirmar poder sobre outras pessoas.
E o que seria, então, uma vocação,
ou um chamado de Deus? Certamente é possível que Deus possa interpelar-nos para
algo valioso e importante na vida, através de vozes advindas de estados
mórbidos, de sonhos e até de alucinações.
Do pouco que entendo de vocação,
creio que se trata sempre de um chamado vago e duvidoso, mas, que pode
amadurecer uma resposta provisória. Certamente nunca será confirmação imediata,
categórica e absoluta, mas vai requerer, ao longo do tempo, uma renovação das
motivações para manter-se fiel à resposta inicial. Igualmente se farão
necessárias muitas conversas para amadurecer as interpelações iniciais e lhes
dar consistência ao longo dos anos e da vida.
Uma apelação triunfalista mágica tende
a explorar a vocação como algo privilegiado, concedido com pompas e méritos
especiais a algumas pessoas, muito seletas, abençoadas, e muito agraciadas por
dotes especiais. Se realmente fosse assim, não deveríamos estar presenciando
tantos casos contraditórios de vocacionados especiais, e que ostentam na vida
real, condutas nada condizentes com a função que exercem. Sob a fantasiosa
atribuição de um chamado muito privilegiado por parte de Deus, muita gente
esperta ostenta a fragilidade comum do mais crasso nível de pecados.
O que se espera de um chamado, é que
possa tornar-se uma resposta que gradualmente se aprimora para o exercício mais
adequado e eficaz do serviço ao qual alguém se sentiu chamado. Portanto,
vocação parece não rimar bem com poder, precedência e fama crescente, mas, se aproxima
mais com a perspectiva visionária, profética, e do serviço para que a
convivência humana possa tornar-se mais edificante e menos opressora.
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