domingo, 24 de janeiro de 2016

Valor do passado para clarear o futuro



            O iluminismo dos tempos modernos insistiu muito na desqualificação do passado: ele já não existe mais, é o novo e o vindouro que importam! Nesta aposta obcecada pelo futuro a relativização do passado pode também tirar qualidade de vida.
            Mesmo sendo seres culturais que mudam a cultura, e, se transformam com a cultura, o passado certamente é mais importante do que se costuma pensar, especialmente quando se lida com crises, porque é da memória que advém os melhores indicativos do que fazer.
Tanto nas experiências de fé, quanto afetivas e de organização da vida, podemos chegar a momentos de impasse e de incapacidade de bom discernimento para tomar uma nova decisão. Neste caso, uma volta ao passado, sobretudo, quando recordamos situações parecidas e similares, - e vemos que em outras ocasiões já tivemos capacidade de tomar decisões que deram saltos de qualidade à vida, - elas poderão nos ajudar a ponderar melhor e a proceder com mais segurança.
O regresso ao passado não significa, contudo, uma volta fundamentalista e de refúgio ao tempo que já passou. Ele pode ser dinâmico quando se consegue perceber a forma como as dificuldades foram superadas.
O saudoso teólogo brasileiro João Batista Libânio usou uma imagem para ilustrar a importância do passado na boa orientação da vida. Disse que a vida é como o voo de um pássaro. O equilíbrio e a direção dependem da habilidade de pequenos e grandes detalhes das duas asas. Não é possível imaginar o voo de um pássaro com o batimento de apenas uma das asas. Assim, em nossa vida, teríamos que bater, necessariamente, duas asas: a da memória e a do desejo.
Se batermos somente a asa da memória, tornamo-nos desambientados e insuportáveis nas conversas. Muitas pessoas vivem esta situação: falam apenas do tempo passado. “No meu tempo era assim; naquele tempo tinha isso e mais aquilo...”.
São igualmente abundantes os casos em que lidamos com pessoas sem memória, sem referência e sem consistência, porque vivem obcecados pelos desejos. Vivem dos sonhos, geralmente não reais, mas, produzidos para torna-los consumidores inveterados. Uma pessoa que apenas se move por desejos também se torna insuportável porque é constantemente insatisfeita com o que alcançou e com o que possui.
Por conseguinte, tal como um pássaro consegue harmonizar o voo e adequá-lo para velocidade ou capacidade de não sucumbir a ventos adversos e outros riscos, os seres humanos também precisam descobrir esta difícil harmonização entre o que o passado deixou registrado na memória, com os abundantes desejos, alargados e explorados ao infinito. Assim, o bem-estar da convivência carece tanto da memória quanto do desejo. Imaginar um voo com o batimento de apenas uma das duas asas permite fácil dedução do que vai acontecer: ou cai logo ou se espatifa contra algum obstáculo! Assim, boa consciência e integração do passado são indispensáveis para a capacidade de orientar-se na vida com bom nível de satisfação.


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