quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Nas ondas da existência



            Tanto na interação com pessoas, quanto na experiência íntima do psiquismo, somos constantemente afetados por ondas: por vezes são de entusiasmo, de encantamento, de euforia, de gratuidade e de gratidão. Qualquer coisa pequena que acontece, dá a impressão de que já vem aliar-se aos motivos de satisfação; mas, também em muitos momentos da vida as ondas são de desânimo, de doenças, de brigas e desencontros, de frustrações profundas e até de sensação de incapacidade de lidar com as adversidades. Então, parece que uma onda desagradável já vem emendada com outra ainda pior. Juntas, parecem engolir as minguadas forças e até as motivações já cambaleantes.
            A experiência do profeta Elias nos oferece uma rica descrição a respeito de como ele conseguiu integrar ondas de dificuldades numa crise de fé que chegou a abalar a razão religiosa da sua existência. A descrição de como lidou com as dificuldades nos oferece um lampejo de interpelação capaz de despertar o entendimento das necessárias condições de espaço interior – que se fazem necessárias - para que ali Deus possa ser experimentado.
 Em nome de Deus o referido profeta havia se dedicado intensamente ao combate a uma religião importada e que representava uma ameaça à aliança firmada em torno dos dez mandamentos, importante código ético moral à vida do povo hebreu.
            Ao eliminar os rivais, Elias esperava ser condecorado com algum privilégio e honras especiais da parte de Deus. No entanto, a onda dos fantasiosos sonhos acabou em pesadelo: Jezabel, a rainha que introduzira os sacerdotes de Baal com a finalidade de substituir a religião centrada nos dez mandamentos, ao ver seus sacerdotes derrotados por Elias, exigiu sua morte.
Elias conseguiu fugir em tempo. Mesmo fora de perigo e já refugiado no Monte Horeb, entrou em crise profunda e chegou a desejar a morte como melhor saída para livrar-se do desconforto pelo qual passava.
 O monte Horeb, mais do que refúgio, era lugar simbólico, pois, ali Deus tinha inspirado Moisés a conduzir o povo. Elias esperava ardentemente alguma intervenção especial de Deus, mas, sua experiência se mostrava antagônica: nenhum sinal de Deus dentro dos tradicionais meios tidos como os melhores para experimentá-lo.
Junto com a crise das buscas, veio, enfim, uma experiência hierofânica de extraordinária síntese: ali não encontrou sinais de um Deus que justificassem sua violência, simbolizados no vento, no terremoto, no fogo, mas, apenas, no quase imperceptível murmulho causado pela brisa suave.
            A “brisa suave” oferece uma imagem muito significativa: quando nos damos conta da profunda incapacidade, e já não temos nada a dizer para ninguém, nem mesmo a Deus, conseguimos criar algum espaço interior para admitir a escuta de Deus. Mais do que expectativa de bajulação por parte de Deus, podemos constatar que Ele nos aponta outro modo de ser e de lidar com a vida.

            O ambiente social facilmente nos leva a lutar e a pressupor que Deus tenha que nos ajudar por meio de formas violentas para favorecer nossos interesses e, assim, acabamos revelando que pretendemos ser mais fortes e insinuantes do que Ele. De fato, sofremos muitas vezes para além da medida e nos decepcionamos até com Deus porque Ele parece inoperante e insensível para nos atender. Entretanto, como Elias, demoramos muito para chegar a perceber que não é no “ôba-ôba” dos milagres e dos sinais mirabolantes, atribuídos a Deus, que nós realmente criamos condições para que Ele possa nos apontar algo novo e peculiar, bem como nos despertar novas estratégias para viver melhor.

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