sábado, 30 de setembro de 2017

MITOMANIA NA CLASSE POLÍTICA



João Inácio Kolling
O mitomaníaco político, como o jogador de baralho obsessivo pelo triunfo, esconde na manga da camisa a última cartada, que é a de apelar e de garantir que sua mentira foi descontextualizada.

SINOPSE

            A mitomania do âmbito político apresenta maior visibilidade e incidência do que a de outras associações. Enquanto as perturbações psíquicas oriundas destes grupos tendem a procurar terapia e orientação psiquiátrica, os políticos, por não se submeter a tratamento terapêutico, tendem a expandir e a agravar esta doença de perturbação psíquica, de tal forma, que se colocam acima das leis e das regras vigentes na sociedade, com o intento de perseguir seus objetivos narcisistas. Tornam-se assim, profissionais na capacidade de enganar através de projetos falaciosos e eivados de fantasia, para sua grandeza pessoal.
Palavras-chave: mentira- negação – patologia - superioridade – megalomania.

Preâmbulo
         Ante a diária encenação do teatro televisivo, que apresenta mentiras de políticos, com as automáticas e viciadas negações destas mentiras - por outros políticos, - emerge uma espontânea inquirição: continuaremos sendo distraídos por tempo ilimitado com este mesmo jogo doentio, e induzidos a imaginar que em algum dia do futuro o quadro político venha a ser diferente?
            A constante contraposição das mentiras desveladas com a automática negação das que foram efetuadas, afeta nosso humor e o bom-senso, porque nos adoece pela insistente afirmação obsessiva em busca de notoriedade, que passa de roldão por cima das regras, das normas e das leis estabelecidas, para ocupar-nos, enfim e infelizmente, com as mesmas lorotas todos os dias.
            Como a grande parte das informações de fatos novos, do dia-a-dia envolve atos e negações de políticos, surge também uma segunda inquirição: é o ambiente dos políticos que seduz seus membros à mitomania, ou, ocorre uma ancestralidade que facilita a ascensão dos mitomaníacos mórbidos no campo da política?
            A partir de ponderações de psicólogos e de psiquiatras, existe uma ancestralidade, pois, a mitomania costuma desenvolver-se na infância. No entanto, seria o campo político o caminho natural e de excelência para os mitomaníacos? Neste caso, a sociedade seria culpada pelo quadro desconcertante da política, pois, facilita a ascensão de pessoas doentes e sem condições psíquicas para ocupar cargos de confiança política.
            De qualquer forma, fica difícil dissociar político de mentira, pois, se mitomania é doença de transtorno mental grave, será totalmente evidente que, na função política, estes doentes vão procurar somente as vantagens narcizistas e não as do bem coletivo.

1 – Mitomania na infância

            Diz-se que a causa principal da mitomania vem da imitação de adultos, e ela pode manifestar-se em quaisquer grupos sociais, como religiosos, políticos, esportivos, culturais, etc. No entanto, há um senso comum de que políticos mentem escancaradamente bem mais do que os membros de outros grupos sociais.
            O que poderia estar na raiz da mitomania?
            O argumento mais geral é o de que a progressividade na mentira decorre da baixa auto-estima e da forte aspiração de integrar algum grupo. Deste modo, o indivíduo é movido por uma incessante necessidade de atenção. Segundo o renomado professor catedrático de Psicologia da Universidade de Múrcia, José Maria Martínez Selva, a mitomania á a doença de quem cria mundos paralelos e fabulosos e, segundo o referido professor, os políticos são os que mais mentem:
            “O político move-se pela necessidade de conquistar as pessoas e, de seduzi-las para que o apoiem e votem nele. Tem de dizer que sua mensagem é melhor que a do adversário; precisa fazer promessas, falar do futuro que é imprevisível. Nesse processo é difícil que não minta – e muitos aprendem a mentir bem, confirmando o ditado de que a prática leva à perfeição”.[1]
            Já o psiquiatra José Fernandes Pedrosa destaca que, apesar de muitas mitomanias serem socialmente aceitas e, até assimiladas com certo grau de veracidade, “a mitomania pode trazer consequências danosas, não só para outras pessoas, mas também para o próprio mitômano. Ele que muitas vezes fica famoso pelas histórias mirabolantes, pode sofrer consequências graves e irreparáveis, como a falta de confiança, zombarias, fim de relacionamentos, amizades destruídas e problemas legais”.[2]
            Este transtorno psicológico de enganar de maneira compulsória e doentia, presente em tantos políticos, certamente se relaciona também a outro motivo oculto, que é o de buscar notoriedade diante dos olhos alheios, com vistas a salientar que ele, sendo político, é mais poderoso do que os outros, e, ainda, mais forte, corajoso, inteligente e esperto, do que de fato é. Move-se por uma única obsessão: a de angariar aceitação e admiração da parte dos interlocutores, sem balizas sobre os meios e as formas que utiliza para alcançar tais objetivos.
            Segundo C. Franco Lolito, “neste sentido o sujeito mitomaníaco mostra uma constante inclinação e uma atração para falsear, dissecar e alterar a realidade que o rodeia, com o intento de converter ‘sua’ realidade em algo mais grandioso, mais extraordinário e grandiloquente, o que objetivamente é o que conduz, paulatinamente, a gerar uma imagem distorcida de si mesmo, geralmente com ar de delírios de grandeza, uma característica que muito vemos refletida em nossa classe política e que, ademais, lhes agrega a firme crença de estarem acima da lei, assim como os rompantes de cinismo, incoerência e hipocrisia”.[3]
            Deste quadro doentio dos mitomaníacos políticos decorrem algumas características específicas:
a)     Mentem e enganam seus seguidores e o público em geral;
b)    Exageram na informação de seus grandes atos em favor do bem coletivo;
c)     Manipulam constantemente as pessoas do seu entorno;
d)    Prometem o céu, a terra e o mar, para esquecer imediatamente a promessa, numa mistura de arteriosclerose e Alzheimer, que através de tudo quanto prometeram, já alcançaram os seus objetivos;
e)     São hipócritas, oportunistas e cínicos, para perpetrar as conhecidas ‘voltas de carneiro’ a fim de, rapidamente desmentir, gritar aos céus e ameaçar arrancar as vestes, com vistas a encenar que nunca disseram o que realmente disseram, e, mesmo com muitas provas contrárias, conseguem, num sorriso aberto, valer-se de outra estratégia, a da apelação de que suas palavras, seus ditos, bem como os procedimentos, foram deslocados do seu contexto.[4]

2 – Mitomania como efeito do meio

            Mesmo constituindo uma categoria social de pouquíssima credibilidade, e, de agir de forma contrária aos interesses de milhões de cidadãos de um país, os políticos alargam intensamente sua capacidade de manipulação da opinião pública, através de diversos mecanismos de apelação:
a)     Sabem valer-se de palavras ridículas e de patéticas afirmações a respeito da ‘unidade inquebrantável’ existente entre os membros da sua coligação e da sua radical fidelidade a esta unidade, mesmo que, na vida real, vivem se digladiando e se acusando entre si;
b)    Repetem exaustivamente nos espaços públicos que são leais e eternamente comprometidos com o partido, e que o projeto é favorável ao povo, embora, estejam vivendo verdadeiro canibalismo e se destroçando politicamente entre si;
c)     Apelam às afirmações grandiloquentes para salientar que constituem o bom-senso e o equilíbrio dos seus dirigentes máximos, e engrandecem a suprema excelência da interação de seus grupos políticos, mesmo que, efetivamente, estejam caindo aos pedaços.[5]

Ao lado destas manipulações, as mostras e provas mitômanas também se salientam muito nos candidatos a cargos eletivos, que exageram para garantir que são competentes, experientes, espertos, além de serem dotados de variados outros atributos, a fim de que seu quadro de ilusão possa produzir ascensão ao cargo desejado.
Curiosamente, também constatamos que é amplo o grupo dos sujeitos já em estado de decrepitude, ainda metido a embusteiro manipulador, e que, apesar de visíveis tiques nervosos, apresenta seu referencial histórico de hipocrisia e narcisismo.
No entanto, os mitomaníacos políticos “não conseguem evitar as eternas declarações sobre o ‘debate produtivo de ideias’ e da sua importância para o bem da sociedade”.[6]
Possuem uma gordura especial nas discussões acaloradas e, na elevação do tom dos discursos revelam a intolerância contra quem se opõe à sua oficialidade. Na verdade, são incapazes de executar de maneira respeitosa, sem desqualificação alheia, sem traições e sem acusações a terceiros, uma proposta positiva e objetiva – ante os grupos de ouvintes que os observam estupefatos - pois eles, já se consideram de uma estirpe especial por natureza. Entretanto, não falam e nem mencionam algo que diz respeito aos seus muitos prontuários policiais.
  

3 – Mitomania associada a outros transtornos

Se um número razoavelmente grande de políticos pode ser facilmente caracterizado pela perturbação mental da mitomania, alguns deles, todavia, notabilizam-se por mitomania potencializada por outros distúrbios psíquicos. Pelo menos três aparecem com maior expressividade:
a)     Mitomania com transtorno delirante - que leva o político a mentir e criar histórias, e, ele mesmo passa a acreditar no que inventa;
b)    Mitomania com Síndrome de Münchausen – caracterizada pela compulsão de fantasiar uma vida fictícia, a fim de causar grande mobilização e perplexidade em outras pessoas. Tende à simulação de sintomas físicos ou psicológicos, envolvendo uma natureza fantástica, porque tal tipo de doente não suporta sentir-se comum como as outras pessoas, ou levar uma vida normal e trivial como elas. Por se achar especial, sente necessidade de criar fantasiosamente estas peculiaridades especiais. Muitas vezes tal agregação doentia decorre de uma profunda insatisfação do indivíduo com sua situação real e existencial;
c)     Mitomania associada à psicopatia - quando o sujeito passa a valer-se da mentira como ferramenta básica do seu trabalho. De tanto que se acostumou a mentir, até ele mesmo perde a capacidade de perceber que está mentindo, pois, mente descaradamente a toda hora.

Essa capacidade de mentir, e de mentir como processo cotidiano e normal, passa por uma situação curiosa, que, segundo Júlio Ernesto Bahr, “no caso dos mitômanos é comum encaminhá-los para um tratamento psicológico e psiquiátrico, o que obviamente não ocorre quando se trata de políticos. Esse comportamento acaba se tornando hábito, o político vira um mentiroso patológico, faz de tudo para manter-se no poder. O mitômano político é totalmente diferente do mentiroso patológico, cujo hábito de mentir se deve geralmente à necessidade de se proteger de constrangimentos, apresentando um histórico de baixa auto-estima e baixa auto-valorização das suas próprias capacidades”.[7]
Assim, quando o poder se eleva numa cabeça desprovida de cérebro, a mitomania consegue convencer os políticos de que simplesmente são intocáveis e que, simultaneamente, estão acima da lei. Ao se presumirem membros de um seleto grupo de luminosidades, escondem seu vasto repertório de medíocre falsidade.
Aparentemente separados das fragilidades do comum dos mortais, eles creem firmemente que são donos da verdade e, em razão disso, dificultam um real processo de trabalho coletivo em favor do bem comum. Devido ao seu narcisismo exacerbado, tornam-se extremamente hábeis para enganar as pessoas.
Na adulteração das informações com o fito de facilitar uma autoafirmação, conseguem ser igualmente hábeis para se atribuir títulos e níveis acadêmicos que ajudem a facilitar o alargamento da vida utópica em que eles se experimentam como pessoas muito íntegras e corretas no proceder. Mas, como não possuem freio ético e moral, acabam inevitavelmente provocando desconfiança e diminuição de credibilidade por parte dos que escutam suas floreadas cantilenas. Segundo Lolito “é realmente um caráter doentio em que o sujeito desfigura, disfarça e maquia a realidade, seja engrandecendo-a, ou substituindo-a por completo, por outra, a fim de que seja mais conveniente com aquela história que o sujeito deseja representar diante da sociedade”.[8]
Esta grande disseminação da mentira no âmbito da política, constitui campo já estudado em diversas disciplinas que levaram em conta seus fins e suas características. De acordo com Bruno Paixão “a grande tendência dos estudos contemporâneos, seguida abertamente por partidos, políticos e assessores, tem sido centrada na natureza persuasiva da comunicação do discurso, tendo em conta a conquista ou a manutenção do poder”.[9]

Epílogo

Como distúrbio infantil, ou mera aprendizagem da osmose do ambiente político, o importante para a sociedade, consistirá, certamente, na obrigação de maior análise crítica do palavreado dos comícios eleitorais, cheio de promessas vagas e inalcançáveis e, ainda, impregnado de forte ênfase emotiva, apenas para garantir que lhe venha um voto favorável na hora da votação.
Algo ainda mais importante e, extremamente difícil, é que ninguém, sob nenhum pretexto, deveria garantir seu voto a alguém através da barganha de propina, - doença psíquica tão grave e tão alastrada quanto à mitomania política – e que deturpa fundamentalmente o imprescindível serviço político na sociedade.
Por fim, também cabe aos que votam em candidatos a cargos políticos, que parem de gostar de ser iludidos com conversas animadas, empolgantes, mas, altamente fantasiosas e irreais.


Bibliografia

BAHR, Júlio Ernesto. Brasília em foco: a mitomania. In: blogs.odiario.com/bahr-baridades/2016/04/11/brasilia-em-foco-a-mitomania-no-poder.  Acessado no dia 29/09/2017.

LOLITO, C. Franco. La classe política y la mitomania, o el gusto y la atracción por la mentira. In: www.paislobo.cl/2016/12/la-clase-política-y-la-mitomania-o-el.html Acessado dia 29/09/2017.

PAIXÃO, Bruno. Emoções e Política. In: https://pt.linkedin.com.pulse/emoções-e-politica-bruno-paixão Acessado no dia 29/09/2017.


SHÁLLON, Teobaldo. Você conhece alguém que mente com frequência e não admite: entenda o que é mitomania. In: diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/dia-a-dia/noticias/2016/06/você-conhece-alguem-que-mente-com-frequencia-e-não-admite-entenda-o-que-é-mitomania-6019717.html Acessado no dia 29/09/2017.







[4]  Idem, ibidem.
[5] Idem, ibidem.
[6]  Idem, ibidem.
[7]  In: blogs.odiario.com/bahr-baridades/2016/04/11/brasilia-em-foco-a-mitomania-no-poder.  Acessado no dia 29/09/2017.
[8]  Op. cit. idem, ibidem.
[9]  No texto emoções e Política, publicado no dia 25/08/2017. In: https://pt.linkedin.com.pulse/emoções-e-politica-bruno-paixão Acessado no dia 29/09/2017. 

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