quinta-feira, 5 de março de 2015

Religião e comércio religioso



Como a religião tem um vínculo muito estreito com a cultura, facilmente se impregna de valores culturais nem sempre os mais adequados aos princípios religiosos. A divisa entre religião e ideologia muitas vezes não é clara, assim como não é clara a ação no espaço religioso, pois, pode mover-se por interesse de auto-afirmação, de busca de poder e até por mera aspiração de ascensão social.
Recordações antigas da Bíblia nos mostram como num momento histórico da vida religiosa do povo de Israel se falava como sendo atributo de Deus o que na verdade constituía desejo de controlar as pessoas. Basta lembrar o texto do Êxodo, 20, 1-17: na valiosa recordação do que Deus ajudou no passado, os possíveis líderes religiosos passaram a fazer ameaças em nome deste Deus, movidos por um excessivo zelo: veicularam a noção de que Deus é vingativo com os que o odeiam e sua ação se não atinge os autores diretos, vai atingir filhos, netos e até bisnetos. Apesar desta consideração, souberam reconhecer o lado extremamente misericordioso de Deus: aos que guardam seus mandamentos e o amam, a misericórdia iria perpetuar-se até a milésima geração.
Nos ensinamentos de Jesus Cristo encontramos a reafirmação da misericórdia de Deus, sem limites, porém, sem as ameaças de vingança. No modo de agir de Jesus Cristo, entretanto, transparece profunda indignação com o desrespeito aos lugares de oração e de dignidade das pessoas. No Evangelho de São João (2, 13-25) descreve-se como Jesus agiu no templo, ao vê-lo transformado em lugar de negócios.
Estamos num momento histórico em que não apenas os espaços religiosos centralizam os resultados econômicos, mas, até se criou uma próspera indústria do comércio dos chamados “produtos religiosos”. Se de um lado é importante expressar os sentimentos com imagens, ícones ou referenciais simbólicos dos valores importantes da fé, isto, por outro lado, pode deslocar o foco do que realmente é essencial ao âmbito religioso.
 Quando tudo é transformado em produto de vendas, até o “sagrado” vira mercadoria de boa venda. Ser religioso deve implicar em muito mais do que mero consumo de objetos religiosos. E, mais do que frequentar espaços religiosos, deve levar-nos a dignificar o valor de nós mesmos, para aumentar a capacidade de respeito aos outros.
Ao lado da valorização dos templos também somos interpelados a  respeitar profundamente o grande tempo do espaço que nos envolve, uma vez que, toda a natureza, com seus ricos eco-sistemas, já é um extraordinário templo a ser contemplado para encher a vida dos melhores sentimentos de riqueza desta alma ampla da vida que transluz muito mais do que vingança e misericórdia, pois, revela uma razão ao nosso existir e uma motivação para valorizar intensamente a preciosidade do nosso corpo.


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