O verbo perscrutar (investigar minunciosamente, indagar, perquirir,
procurar o futuro de algo, cf. Dicionário Aurélio,) não é muito comum em
conversações do dia-a-dia, e, nem mesmo nos procedimentos cotidianos. Requer
treino e exercício, pois, entender possíveis causas, efeitos e possibilidades
dos acontecimentos, pressupõe capacidade de análise e exige certo clima de
atenção para além das rotinas.
Na linguagem
religiosa podemos captar um rico legado de como o povo da Bíblia cultivou esta
arte para melhor ajustar-se na vida. Desde muitos séculos antes de Cristo
pessoas procuraram entender o passado e porque se desencadeou daquele modo.
Procuravam igualmente perceber sinais ou interpelações de Deus nestes fatos.
Os momentos
de crise cultural profunda levavam muitas pessoas a inquirir possíveis sinais
de Deus, manifestando misericórdia, mas, ao mesmo tempo, despertando o
bom-senso para outro modo de ser e de agir.
Ao reinterpretarem os acontecimentos,
sobretudo os fracassos, derrotas, exílios, invasões e destruição do que
arduamente fora construído, além das vidas ceifadas a fio de espada, deduziam,
que a causa não estava em Deus, mas, nos seres humanos que não souberam
organizar-se adequadamente e, que esvaziaram os cultos e celebrações para
transformá-los em meros meios ilícitos de lucro e de controle das pessoas.
No segundo livro das Crônicas
(36,14 ss) consta uma bela ilustração de reinterpretação do passado com
simultânea constatação das causas dos fracassos e do que Deus, por trás destes
acontecimentos, estava revelando ao povo bíblico daquela época. E, o mais
importante de tudo, Deus sempre acabava revelando sua bondade em novos fatos,
para os quais não estavam atentos. Deste modo, descobriam sempre de novo, mais
do que a confirmação da misericórdia, um incisivo convite para colocar-se a
serviço da reconstrução da vida.
Nossos dias parecem desafiar-nos para
este mesmo processo de perscrutar por onde Deus chama para ajudar a melhorar a
organização social, tão perturbada. Em vez de constituir-nos em profetas da desgraça, abundantes
por todo lado, talvez convenha treinar a atenção para captar ou perceber algo
novo que possa ser feito e que possa contagiar positivamente a convivência, a
fim de torná-la capaz de vivenciar valores humanos básicos, que, muitas vezes
no passado já foram mais marcantes.
Não basta simplesmente repetir formas e
fórmulas que deram certo no passado, mas, ao constatar as motivações que
levaram à mudança, cabe-nos intuir que podemos agir de outros modos mais
edificantes. Na insistência do Papa Francisco, é preciso “ousar”, mesmo
correndo o risco de não encontrar êxito, pois, não tentar fazer algo novo e
melhor, já é a ratificação do fracasso.
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