quarta-feira, 11 de março de 2015

A capacidade de perscrutar



            O verbo perscrutar (investigar minunciosamente, indagar, perquirir, procurar o futuro de algo, cf. Dicionário Aurélio,) não é muito comum em conversações do dia-a-dia, e, nem mesmo nos procedimentos cotidianos. Requer treino e exercício, pois, entender possíveis causas, efeitos e possibilidades dos acontecimentos, pressupõe capacidade de análise e exige certo clima de atenção para além das rotinas.
            Na linguagem religiosa podemos captar um rico legado de como o povo da Bíblia cultivou esta arte para melhor ajustar-se na vida. Desde muitos séculos antes de Cristo pessoas procuraram entender o passado e porque se desencadeou daquele modo. Procuravam igualmente perceber sinais ou interpelações de Deus nestes fatos.
            Os momentos de crise cultural profunda levavam muitas pessoas a inquirir possíveis sinais de Deus, manifestando misericórdia, mas, ao mesmo tempo, despertando o bom-senso para outro modo de ser e de agir.
 Ao reinterpretarem os acontecimentos, sobretudo os fracassos, derrotas, exílios, invasões e destruição do que arduamente fora construído, além das vidas ceifadas a fio de espada, deduziam, que a causa não estava em Deus, mas, nos seres humanos que não souberam organizar-se adequadamente e, que esvaziaram os cultos e celebrações para transformá-los em meros meios ilícitos de lucro e de controle das pessoas.
No segundo livro das Crônicas (36,14 ss) consta uma bela ilustração de reinterpretação do passado com simultânea constatação das causas dos fracassos e do que Deus, por trás destes acontecimentos, estava revelando ao povo bíblico daquela época. E, o mais importante de tudo, Deus sempre acabava revelando sua bondade em novos fatos, para os quais não estavam atentos. Deste modo, descobriam sempre de novo, mais do que a confirmação da misericórdia, um incisivo convite para colocar-se a serviço da reconstrução da vida.
Nossos dias parecem desafiar-nos para este mesmo processo de perscrutar por onde Deus chama para ajudar a melhorar a organização social, tão perturbada. Em vez de constituir-nos em profetas da desgraça, abundantes por todo lado, talvez convenha treinar a atenção para captar ou perceber algo novo que possa ser feito e que possa contagiar positivamente a convivência, a fim de torná-la capaz de vivenciar valores humanos básicos, que, muitas vezes no passado já foram mais marcantes.
 Não basta simplesmente repetir formas e fórmulas que deram certo no passado, mas, ao constatar as motivações que levaram à mudança, cabe-nos intuir que podemos agir de outros modos mais edificantes. Na insistência do Papa Francisco, é preciso “ousar”, mesmo correndo o risco de não encontrar êxito, pois, não tentar fazer algo novo e melhor, já é a ratificação do fracasso.


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