SINOPSE
Uma maneira
usual de justificar a agressividade humana consiste em alegar que ela ainda está
presente na contingência humana devido a um genótipo de etiologia ancestral
antiga, sobretudo, biológica, ainda não erradicada na evolução. Sabemos, por
outro lado, da vasta influência do ambiente social e cultural para a consecução
de atos agressivos e violentos. No entanto, o fator de maior influência certamente
está no futuro, ainda não existente, mas, que é antecipado e está muito vivo e
atuante através dos desejos que movem os seres humanos. É no campo dos desejos
que os rivais se potencializam e praticam atos violentos, porque quando dois
indivíduos querem o mesmo objeto, colocam-se em postura frontal, na qual um
tenta eliminar o outro do acesso ao bem almejado, seja ele material ou
simbólico.
Palavras-chave:
Agressividade – violência – origens – contenção – desejos - alvos da agressividade.
INTRODUÇÃO
A abordagem
da agressividade geralmente é vista pela sua consequência, que é a da prática
de atos violentos. Todos os seres humanos são agressivos por natureza. É uma
característica inata, mas, pode ser estimulada e insinuada por múltiplos meios
e formas, especialmente, por influências culturais.
As regras de
limites para convivência – até para evitar que os seres humanos se destruam a
si mesmos, - geralmente intimidam, ou com outras agressividades, como as do
campo jurídico, ou com apelações a castigos que Deus poderá imputar.
A aceitação
mais ou menos resignada, tanto das sanções judiciárias como as exigências presumidamente
atribuídas a Deus, para que faça justiça no lugar da vítima, e, em defesa da
vítima, pode produzir certa estabilidade para que os seres humanos se suportem pelo
menos razoavelmente entre si, sem se eliminarem de formas primárias e
estúpidas.
Mesmo assim,
há um patamar de agressividade que é considerado normal. Existe, todavia, uma agressividade
que é considerada patológica ou doentia.
A agressividade do patamar normal engloba as
maneiras e táticas agressivas, não apenas físicas, mas também as de persuasão e
de constrangimento para o alcance de objetivos, pessoais ou grupais, e que tem
em vista firmar o nome e a identidade para distinguir uma pessoa ou um grupo no
meio coletivo, ou, então, para insinuar mudanças pretendidas.
Desta forma, é considerado normal que alguém
explicite raiva, ódio, ou tratamento sádico ou invejoso e irônico, enquanto
este tratamento se desencadeia dentro de limites suportáveis e por períodos não
muito prolongados.
A
agressividade patológica, por sua vez, leva a pessoa à própria destruição, ou, a
atentar contra outros indivíduos, numa intensidade inadequada diante dos
motivos da circunstância. Também pode manifestar-se em sintomas não meramente
físicos, como frieza, insensibilidade e inexistência de sentimentos de
culpabilidade diante de atos agressivos ou violentos.
Por conseguinte,
manifestam-se muitos níveis de agressividade, que geralmente decorrem de
experiências agressivas sofridas anteriormente; de frustrações diante da busca
de alcance de desejos; da impunidade reinante em certos ambientes; da
desconsideração da identidade e dos valores simbólicos de uma pessoa ou de
grupos humanos, bem como a promoção de emulações competitivas em jogos e
passatempos. Outro fator é o da prepotência autoritária exercida por alguém.
Nem sempre é
fácil conter as impulsividades agressivas e explicitá-las de forma moderada e
dosada para não culminar em violências maiores. Mas, a vida certamente indica
que é fundamentalmente necessário aprender a perder, sem cultivar motivações
agressivas de revide e que possam desencadear em atos violentos. Para uma
razoável convivência certamente não é eficiente o jargão de largo uso: “Falo o que penso e sou assim mesmo. Caso
alguém não goste, o problema é seu!”.
1 – AGRESSIVIDADE PELO
LADO POSITIVO
A
agressividade se mescla em grande quantidade de comportamentos humanos. Nem
tudo é interpretado como nocivo e prejudicial no campo da agressividade, porque
muitos impulsos agressivos levam a lidar com riscos e adversidades naturais e a
trabalhar com vistas a adequar ambientes e a qualidade de vida. Sob este
aspecto, a agressividade produz uma energia dinâmica e útil ao ser humano.
Um olhar
retrospectivo sobre o passado humano leva a deduzir que a agressividade humana
foi fator de sobrevivência entre outros animais e diante das ameaças de grupos
rivais. Assim, a chamada “garra” humana permitiu a hegemonia dos seres humanos
sobre os outros animais do planeta.
Do ponto de
vista filogenético, pairam muitas dúvidas relativas ao entendimento da evolução
humana e da permanência de traços agressivos que, supostamente, já deveriam ter
desaparecido em passado distante. Ocorre até uma indignação com a eclosão de
atos violentos em nossos dias, a revelar manifestações agressivas descabidas de
seres humanos contra outros humanos.
São muito
variados os tipos de agressividade. Entre os animais, por exemplo, destaca-se
mais a agressividade predatória que os leva a matar para comer. Mesmo em
disputas por fêmeas e controle de grupos, o normal é que o vencedor não mate o
derrotado, mas, força-o à submissão.
Mesmo
animais de vivência grupal, como elefantes, macacos e ratos, tendem a produzir
brigas feias e acirradas, geralmente motivadas por disputas de fêmeas por
machos ou de machos por fêmeas. Existe nos animais outro tipo de agressividade
em torno da possibilidade de exercer a dominação do grupo, tal como acontece com
ratos.
Nos seres
humanos, a capacidade agressiva não só leva a matar por motivo fútil, mas, é
tão cruel que ignora qualquer apelo ou súplica em favor da sobrevivência. Tal
característica leva a supor que se trate de uma característica mais cultural do
que meramente biológica.
Enquanto que nos animais a evidência de
agressividade se relaciona mais com o aparecimento de rivais e desencadeia
reações de raiva, nos humanos, caberia esperar maior capacidade de controle das
emoções que possam induzir a atos que prejudiquem a vida alheia, mas, precisamente
entre humanos a violência se aguça por fatores muito variados.
Isto leva a
crer que existe uma predisposição genética que leva os humanos a atos
agressivos. O que se sabe e facilmente se observa é que tais reações dependem
essencialmente dos ambientes culturais.
Margateth
Mead chegou a estudar três sociedades africanas com a intenção de verificar se
homens eram mais agressivos do que mulheres: numa, constatou que tanto homens
quanto mulheres eram agressivos; em outra, constatou extrema docilidade dos
dois lados, e, já numa terceira, as mulheres eram mais agressivas do que os
homens. Isto reforça a suposição de que os padrões da agressividade são ditados
por ambientes culturais.
A observação
dos entornos vivenciais permite verificar o quanto as pessoas se zangam por
picuinhas, por pequenos insultos e agressões motivadas por razões banais e
muito pequenas, sobretudo as procedentes da linguagem não verbal.
2 – A AGRESSIVIDADE
PELO LADO NEGATIVO
Um ato
agressivo se torna prejudicial à boa convivência humana quando prejudica e lesa
alguém de forma intencional. Pode uma agressão ser de sutil a camuflada e de
enganosa a aberta e declarada.
Bem sabemos
que há formas agressivas sob as mentiras que violentam outras pessoas por
falsear algo, tanto para evitar o enfrentamento de uma situação real quanto de
clara motivação para prejudicar outra pessoa.
Ocorrem
também níveis de agressão no cultivo de sentimentos punitivos de pessoas contra
si mesmas, porque levam certas pessoas a se colocarem de vítimas , prejudicadas
ou injustiçadas como mera fuga da responsabilidade. Trata-se na verdade, de uma
busca de ser forte por meio da apelação à fraqueza, mas, que agride de maneira
encoberta.
Outra forma
de agressividade prejudicial é a da prepotência que induz outras pessoas à
vergonha e à minimização da sua identidade. É uma indireta afirmação sobre
estas pessoas. Por isso, o “passar por cima” delas constitui também um ato de
intensa agressividade.
Uma maneira
mais sutil e irônica de agredir é a da gozação, que leva a bajular com clara
intenção de denegrir a imagem alheia a fim de afirmar numa condição superior.
Pode também o superdimensionamento da qualidade alheia constituir manipulação
para interesses de controle.
Mais uma
forma que agride é a de simplesmente desligar-se e não importar-se com uma
pessoa ou com um ambiente social do entorno. É o que tanto se observa quando
alguém simplesmente vira a cabeça para outro rumo e se “desliga” do assunto em
pauta.
2.1 - Componentes que mais
predispõem para a agressividade
Tanto quanto
as sutilezas das formas de agredir, os atos agressivos podem depender
igualmente de fatores topográficos, tais como cuspir, morder, chutar o ar ou
estapear, ou uso de gestos obscenos e provocativos.
Entram no
contexto da agressividade fatores antecedentes e remotos, tais como
frustrações, raivas e cóleras.
Não resta
dúvida de que o ambiente social constitui outro grande fator de estímulo para
causar dano ou prejuízo a outras pessoas.
O cultivo da
intencionalidade de causar dano a alguém também desencadeia razões múltiplas
para atos agressivos, através de gestos, zombarias, fofocas, produção de clima
de aversão, até atos de agressão física ou psíquica.
Certamente
não causa surpresa a afirmação de que os seres humanos são agressivos mais do
que as outras espécies animais, mas, o que varia muito são as formas de
exteriorização da agressividade, que podem ser de verbais a veladas, de
provocações para confronto, de ordens para matar ou de criação de episódios que
induzam a comportamentos agressivos.
A
estimulação aversiva constitui outro componente disseminador de atos agressivos.
Também o ensinamento de modelos agressivos (como brigar, como intimidar, como
matar, como torturar psiquicamente e como a forçar mudanças abruptas de emoção)
constituem fatores que aumentam a agressividade.
Muitos atos
agressivos constituem resposta a tratamentos agressivos, tais como os do pai
que bate no filho, porque este foi agressivo. Assim, um procedimento leva
facilmente algozes a se tornarem vítimas das vítimas de suas agressões.
Em nossos
dias o empreendedorismo constitui-se em outra grande fonte de agressividade.
Visto como arma de sucesso, o empreendedorismo leva a múltiplas formas de
agressão, pois, alguém, para obter alcance do sucesso, precisa superar outros e
facilmente apela a formas desleais e contrárias às regras éticas.
2.2 - Tipos de
agressividade
Bem sabemos
que atos agressivos verbais – que são as mais comuns – nem sempre são os que
mais induzem a atos de violência. A violência indireta, chamada de estrutural,
tende a agredir, mas simultaneamente, tende a esconder o responsável por
desencadear os atos agressivos. É o que ocorre com sistemas sociais e econômicos
que podem efetuar má e injusta distribuição dos recursos além de tratamentos
desiguais entre os agregados ao grupo social.
Ao lado
desta agressividade sutil, encontra-se também a agressividade cultural, ainda
mais sutil e sofisticada, porque provém da esfera simbólica e das praxes de
grupos humanos que se elitizam e se asseguram no direito avantajado sobre os
demais. A maneira de exteriorizar esta agressividade geralmente ocorre por meio
da arte, da religião, da linguagem, das ideologias e até por presumidas
sustentações científicas (afirmações não comprováveis).
Outra fonte
estável e duradoura de sentimentos agressivos decorre do nível simbólico,
especialmente quando fere a identidade, a ancestralidade e a etnia racial, bem
como direcionados ao grupo de pertença e à procedência cultural.
Se heranças
passadas, ou a persistência de traços muito antigos, sejam biológicos ou de
influências culturais, deixam certa predisposição para o exercício da
agressividade, o componente mais determinante é o dos desejos.
Os desejos
humanos, talvez mais do que a ancestralidade antiga e remota, tornam-se a maior
fonte da agressividade. O simples fato de duas pessoas almejarem um mesmo
objeto os situa como rivais, porque um vai querer eliminar o outro do acesso ao
objeto.
Este campo
torna-se especialmente minado porque a moderna publicidade estimula os desejos
ao infinito e faz imensidões humanas sonharem com o que não é acessível a
todos, o que, evidentemente, acarreta disputa.
Além desta
indução há também uma produção de extratos para o alcance dos bens simbólicos,
de modos que alguns são elevados a patamares muito distintos sobre outros.
Basta lembrar o quanto alguns cursos universitários desfrutam de reputação,
enquanto outros são considerados inferiores.
O simples
fato de sermos seres profundamente movidos por desejos, - e este é um traço
estruturante básico do ser humano, porque não conseguimos não desejar, - a
maior parte destes desejos gira em torno da imitação. Uma criança oferece rica
ilustração do intenso desejo de imitar. Ela quer ter o que a outra possui. Mais
do que aquilo que tem para brincar, ela deseja o que visualiza com as outras
crianças. Bem sabemos o que então se desenrola.
Quando, aos
desejos ainda se agrega estratificação de status simbólico, desencadeia-se
verdadeira guerra de estimulação para a aquisição dos bens mais elevados. Basta
pensar no valor simbólico atribuído ao ouro em relação ao ferro. Na busca do
mais significativo briga-se, eliminam-se concorrentes, criam-se seletividades
de categorias sociais e, por isso, uma contínua alimentação de atos agressivos
capazes de produzir violência.
3 – MANIFESTAÇÕES DE
VIOLÊNCIA
Já
salientamos que a conduta humana está impregnada de características agressivas
e que grande parte depende do entorno, ou, dos ambientes humanos agressivos.
Quanto à
violência, que decorre da agressividade, ela pode ser cultivada e ampliada no
psiquismo humano, mas também, de acordo com orientações educacionais e
religiosas. Assim, alguém vítima de violências cruéis não se torna
necessariamente pessoa violenta. Pode, pelo contrário, tornar-se eficaz para
que se evitem quaisquer práticas violentas.
Na dimensão
cultural, ocorre uma tentação contínua e constante na história humana de efetuar
separação de bons e maus; quando, na verdade, a pessoa boa também pratica atos
violentos, assim como pessoa má pode efetuar procedimentos genuinamente bons. O
bem e o mal se misturam no mesmo núcleo das relações humanas. Todavia, ocorre
um deslocamento que facilmente leva a projetar sobre alguém, - estabelecido
como causa dos males e da violência, - a fim de que seja eliminado ou excluído,
e, permita que se estabeleça um tempo novo de ordem e de paz. É o conhecido
fenômeno do “Bode Expiatório”.
Como existe o
mecanismo da defesa e o procedimento de se considerar parte da manifestação boa
e segregada com os melhores traços humanos, a violência que ali se desenvolve,
tende a ser atribuída a alguém – membro ou alheio ao grupo, que acaba
transformado em “Bode Expiatório” - e que é sacrificado em nome do bem estar
geral.
Culpa-se
alguém e elimina-se este alguém com a pressuposição de que todo mal que esta
pessoa teria causado, será, finalmente, extirpado do ambiente social, para que
se possa recomeçar um tempo novo. O curioso é que o ato que visa uma eliminação
da maldade reproduz o ciclo dos atos de violência e é efetuado com outra
violência similar e, muitas vezes, mais cruel.
O que os
fatos evidenciam de forma incontestável, é que a eliminação dos “bodes
expiatórios” nunca eliminou a violência, mas, continuou a despertá-la através
das reações às violências praticadas. Certamente, tal mecanismo é mais profundo
do que a herança da concepção maniqueísta, - que tende a separar bem e mal, -
como se fossem polos distintos e antagônicos.
Um indivíduo ruim tende a ser fruto de um
ambiente ruim, apesar da tentação de interpretá-lo como não sendo membro de um
ambiente, considerado bom. A propensão humana para a consecução de atos violentos,
certamente é inata, mas, sujeita e suscetível de ser controlada e conduzida no
parâmetro das formas toleráveis para uma convivência.
A violência
em torno dos “bodes expiatórios”, infelizmente, é muito explicitada pela
religião. Segundo René Girard, mesmo que Deus seja uma evidência clara por si
mesma, há uma tendência de personaliza-lo dentro de concepções do sagrado e,
sob o sagrado, pode manifestar-se violência mimetizada, mas, constrangedora,
repentina, e terrível contra outras pessoas membros de uma comunidade religiosa
ou, de outra entidade religiosa.
A motivação
do mimetismo, que leva à imitação dos outros, faz com que pessoas que
escolheram um mesmo objeto, a entrar disputa competitiva entre si pela posse daquele
objeto, ou, então, pelo alcance de um bem simbólico almejado como superior.
Se a
imitação, por natureza, tenderia a unir, ela, no entanto, e paradoxalmente,
acaba levando à desunião e a rupturas. Para o acima referido autor, é o desejo
mimético a primeira forma humana institucionalizada de vingança e de descarga
da vingança, mesmo em nome de Deus, pois, a agressividade é descarregada contra
uma vítima para produzir um efeito catártico.
Assim,
também na religião, há presença de manifestações violentas, mas, geralmente
ritualizadas diante da morte produzida (na vítima visada) e com o desejo de que
a eficácia da morte renove os mesmos efeitos de paz e serenidade.
Enquanto os
outros animais tendem a valer-se de uma violência mais predatória de matar para
comer, os seres humanos tendem a praticar violência sem dó e sem piedade e
insensíveis a quaisquer apelos em favor da conservação da vida. Matam para
eliminar até por razões literalmente desnecessárias.
Se entre animais o risco de violência mortal é
efetuada pela presença de rivais; os humanos podem acumular raiva e desencadear
atos violentos por razões muito mais culturais do que biológicas.
3.1 – A paixão pela
violência
Tantas vezes
ouve-se a fala, a repetição e a demonstração de indignação profunda diante de
atos violentos, e a pergunta que não deixa de aflorar e retornar nas mentes, sempre
volta a ser a mesma: quando, afinal, vai cessar a violência entre os seres
humanos?
Um relato
muito antigo da mitologia grega indica uma condição fundamental para reproduzir
atos de violência: conta a referida narrativa que entre os deuses do Olimpo ocorreu,
num certo momento, um sorteio para que cada deus e cada deusa pudessem escolher
uma virtude que mais se aproximasse da sua identidade.
Como a deusa Marte ficou por último, teve que
conformar-se com o que sobrou para identificar seu perfil, e já sem a
possibilidade de escolher, teve que ajeitar-se com a violência.
Embora
resignada, acabou se acertando tão bem com a violência e foi paulatinamente
desenvolvendo uma paixão profunda pela nova e encantadora fonte de sucesso. Sem
demora, surgiram chamuscadas intrigas com Marte, e, para evitar uma morte
iminente, Zeus teve que intervir energicamente na briga entre Marte – a deusa
da violência - e Plutão – o deus da falsidade e dos infernos.
Plutão,
muito enciumado, ao constatar que a simpatia em torno da deusa Marte crescia
espantosamente, enquanto ele ia perdendo, na mesma proporção, o costumeiro
afluxo de adesão e que o promovia no status que o identificava. Passando das
encrencas e cruzando pelas brigas e guerras frias, acabaram nas vias da medição
de forças.
Marte, como
já era a deusa da violência, estava com a espada afiada apontada para perfurar
a barriga de Plutão e, então, Zeus decretou uma ordem severa e categórica a fim
de assegurar convivência tolerável dos deuses no Olimpo: se alguém morresse em
briga ou disputa decorrente de ódios, falsidades e de guerras, seria rebaixado
aos baixos infernos de Plutão; mas, caso alguém fosse morto sem razão de ódios,
ou, em decorrência do empenho de promover justiça e bom entendimento, este ficaria
promovido a permanecer no reino da luz.
Assim,
temos, ainda hoje, regras civis e religiosas que tentam coibir a violência e
assegurar que a condição humana não seja extinta em decorrência da sua própria
agressividade e violência.
A paixão,
cultivada e insinuada por tantos mecanismos, constitui certamente a maior
escola de estimulação a comportamentos violentos. Ao lado disso, acrescenta-se
o êxito obtido porque se torna fator de confirmação do alcance de metas e
objetivos para persistência em atos violentos.
3.2– Violência: herança
ou antecipação do futuro?
Pela ótica
psicanalítica a violência poderia ser relacionada ao sentimento de culpa,
geralmente interiorizado a partir agressividades e procedimentos violentos
anteriores.
Hoje, tende-se a ver que há uma
tendência a atribuir mais peso à cultura, porque é ela quem produz mecanismos tanto
para estimular a violência, quanto para contê-la ou coibi-la. Sobretudo na
religião, ocorre uma tentação de explorar a culpa, o temor e toda a capacidade
de evitar violência mediante a apresentação de uma realidade compensadora:
seria agraciado pelo consolo de amparo ou de graças e bênçãos divinas.
Segundo Freud, o papel da religião seria,
neste caso, bem restrito e próximo da ilusão, pois, a oferta de satisfações
substitutivas ajudaria a tornar a vida mais suportável diante das cargas
impulsivas que induzem a atos violentos ou que produzem sofrimentos humanos. No
entanto, sabemos que a religião está impregnada de elementos culturais, mas não
está apenas restrita à cultura.
Como a
religião está estreitamente vinculada ao sentido da vida, ela, em princípio,
remete a esta objetivação. Dentro deste horizonte do sentido também se pode
constatar que a violência humana não é apenas uma carga filogenética e
biológica muito antiga, herdada e determinante de muitas violências no
presente, sabe-se que o ser humano também depende essencialmente do que antevê
para o futuro. Ainda não existente, o futuro, pensado, desejado e anelado,
motiva o presente tanto quanto ou muito mais do que as marcas da carga de
predisposição agressiva advinda do passado.
O passado,
de fato, está presente de forma complexa no presente, mas, a vida humana
depende muito mais do âmbito dos desejos do que das determinações do passado.
A condição
de dar um significado, bom ou ruim ao passado, decorre sempre do olhar do presente,
voltado para uma interpretação do que passou, seja para entendê-lo, ou para
captar possíveis traços que ajudem a entender o presente. Talvez mais do que o
passado é o futuro quem dá sentido ao presente, porque a maior parte do
presente está relacionada ao que se espera do horizonte futuro.
Situados
nesta dupla dimensão de memória e desejo, - ou de passado e projetos de futuro,
- tende-se a sentir que a propulsão central da vida está mais para o futuro do
que para o passado.
Se uma
expectativa de amor ou de algo edificante ocupa os desejos, o efeito prático
imediato, com certeza, não será o de antever confronto, guerra e ruptura de
pactos, alianças e projetos, pois, a imaginação, mesclada com esperança de níveis
mais elevados e satisfatórios de convivência, distante dos atos violentos,
constitui, com certeza, fator essencial para educar em vista de convivência
ordeira e respeitosa.
Se para
Marx, Freud e Nietzsche a religião foi vista como mero meio de desviar
opressão, ódio e desejos inconscientes, ela, no entanto, também pode ser
assimilada como manifestação autêntica da expectativa de um Deus que quer algo
mais do humano religioso do que despistar ódios e agressividades.
3.4 – A violência da
sociedade de consumo
Ao fazer-se
a assimilação da felicidade humana com a capacidade de consumir bens, tanto
simbólicos ou materiais, a tática sutil para que o consumismo desperta
perspectivas ilimitadas de felicidade. E para tanto precisa oferecer constantes
novidades de outros novos bens de consumo ainda mais satisfatórios. Todavia a
novidade agrega um componente perverso: o do descarte de tudo, de objetos e
também de pessoas. Tudo está condenado ao determinismo fatal do lixo.
No entanto, como
a obsessão pela novidade também vira certeza de descarte do ser humano, produz
um sinistro ar de provisoriedade. Qualquer pessoa, como os objetos, é fadada a
subsumir no caos do lixo.
Assim, como a memória rapidamente subleva ao
esquecimento a emoção prazerosa em torno do objeto adquirido como bem valioso,
a pertença a grupos humanos familiares ou à circularidade dos similares, passa
a depender de um status que implica em violência extraordinária, contra a
saúde, contra a capacidade lúdica e tantas outras dimensões humanas, porque o
poder da afirmação humana reside unicamente no poder de adquirir. Por isso,
tanta violência e tantos meios ilícitos para o alargamento do poder de
aquisição.
A produção
da insatisfação constante e continuada leva a incontáveis exageros agressivos
com vistas a encontrar reconhecimento para não acabar no “xeol” do lixo. A
cultura, na sua constante produção e inovação de bens simbólicos produz esta
verdadeira guerra que faz um ser humano tornar-se rival automático do outro,
movido na mesma luta pelo acesso aos bens de consumo, mas, que estão
absolutamente muito distantes do alcance de todos. Assim a violência se alarga
desde o acesso à comida até os bens simbólicos, disputados a unhas e dentes e
as múltiplas armas letais para vencer os outros.
3.5 - Como diminuir as
compulsividades agressivas?
Muitos já aprenderam em seus ambientes familiares o velho ditado de
“pensar três vezes antes de agir”, especialmente para retardar as
impulsividades de agressão; outro elemento importante, muito vivo no senso
comum, é o de cultivar o silêncio e a auto-estima para dominar os mecanismos de
reação agressiva primária.
Além destes
aspectos valiosos torna-se também eficaz, contra atos agressivos descontrolados,
o aprendizado e cultivo do controle das emoções. Os estímulos à empatia,
especialmente quando há educação para colocar-se no lugar da outra pessoa a
quem se quer agredir, são extremamente valiosos para evitar atos agressivos.
Também a capacidade de evitar muitos atos coercitivos sobre os outros permite
evitar ser afrontado por atos que causam ira ou raiva incontida.
Quando se
trata de desavenças que podem levar a atos violentes, sempre é bom evitar a
confrontação pública porque o fator estimulante do embate tende a não se
comprometer com uma solução.
Elogios de
comportamentos adequados certamente constituem outro bom elemento a ser
cultivado para não incidir em ambientes hostis ou de afronta.
Mesmo que
atos agressivos não sejam totalmente evitáveis, convém educação para que tais
atos não ultrapassem níveis toleráveis e que não se enquadrem na lei do mais
forte sobre o mais fraco.
Assim, as
propensões para agir e responder de forma violenta, mesmo envolvendo cenas de
agressões verbais ou físicas de tapas numa clara extrapolação das boas maneiras
de convivência, não chegarão à deprimente situação de um ser humano eliminar
seu similar, por razões insignificantes, e, numa evidente afronta às mais
elementares regras dos direitos básicos e fundamentais dos cidadãos.
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