sábado, 2 de junho de 2018

PROCEDÊNCIA DOS ANTIGOS MORADORES DA AMÉRICA




Introdução
            No campo da Antropologia, como nas outras ciências, o conhecimento não é neutro. Quando um antropólogo pesquisa e apresenta informações, ele as organiza de tal forma que possam ser aceitas como científicas.
            Aquele que forneceu as informações – o pesquisado – entra muitas vezes como mero informante. Em tal caso, certamente, não revelará jamais seu mundo simbólico porque não sabe para que fins suas informações venham a ser usadas.
            Há na veiculação do que é tido como antropológico, um desejo de consumo, ou seja, quer-se reproduzir um conjunto de informações, tidas como científicas, para que um programa acadêmico de Antropologia conduza a certo resultado de contenções e repressões.
Permitem-se apenas determinados comportamentos, sejam físicos ou meramente intelectuais, dentro de um quadro de conhecimentos já estabelecido. Deste modo, o que se afirma sobre um conteúdo acaba sendo mais importante do que o próprio conteúdo.
            Bem sabemos que sobre a origem do homem circulam muitas explicações místicas, religiosas, filosóficas e científicas. Atualmente o prisma científico é veiculado como o mais seguro. Entretanto, não possui garantia absoluta para as suas afirmações.
            A afirmação de que o homem procede da matéria inorgânica ou de algum filo animal, ainda não nos deixa tranquilos quanto às questões da origem da vida e os nexos que ela mantém com a não vida.
            Mesmo que se defenda que a matéria equivale à energia, que esta é eterna, porque sempre se potencializa e se atualiza em novas formas de matéria, isto ainda não nos fornece seguras deduções a respeito do aparecimento do gênero humano.
            As muitas analogias que se fazem entre hominídeos e outros primatas acabam não nos dizendo coisas mais seguras do que as afirmações místicas, religiosas e filosóficas. Isto acaba se revelando muito evidente quando se quer saber algo sobre a origem do homem americano, tema que abordaremos em rápidos traços.

1 – O HOMEM AMERICANO
            Não há clara concordância quanto à definição dos que residiram no continente americano antigo. Basta ver que sob o prisma indígena, não cabe a expressão íbero-americano; mas, esta expressão também não é adequada para a nossa identificação atual, porque na maior parte não somos de procedência indígena.
            Até mesmo a palavra “indígena” é expressão criada pelos europeus ao entrarem nas terras americanas, ocupadas por muitos povos. Por isso será oportuno observar algumas configurações peculiares dos que constituem os povos do continente americano.
            Segundo Darcy Ribeiro, há pelo menos quatro configurações no processo civilizatório da América:
a)      Os povos testemunho – são os que aqui residiam antes da entrada dos conquistadores europeus. Resquícios destas manifestações culturais ainda se encontram na Guatemala, no México e no altiplano andino;
b)      Povos novos – são os que resultaram da mestiçagem de etnias e culturas formadas por europeus, indígenas e africanos. Estes surgiram especialmente no Brasil, Venezuela, Colômbia, Paraguai, Chile, Antilhas e parte da América Central.
c)      Povos transplantados – São os que ali se estabeleceram através do processo de migração massiva de europeus. A ilustração mais expressiva desta entrada foi a que se efetuou na Argentina e no Uruguai;
d)      Povos emergentes – são os que resultaram e que ainda resultam da miscigenação das configurações anteriores, sendo que as etnias africanas estão num destacado processo de ascensão.

A respeito do homem americano, temos pelas três últimas configurações, a explicação da maior parte do povo latino-americano. Resta, porém, saber algo a respeito dos que viviam na América em tempos anteriores à entrada invasiva da civilização europeia.

1.1  – A pergunta pela origem

A pergunta pela origem desperta, imediatamente, diversas outras perguntas: o homem americano antigo surgiu aqui no continente americano? Se porventura veio de algum outro lugar, de onde veio, quando veio e como veio para cá?
Ainda outras inquirições se tornam pertinentes: estes antigos ameríndios são de uma única raça, ou provém de muitas raças? Caso tenham sido oriundas de muitas raças, quais são?
Caso nos reportemos à América do Sul – normalmente identificada como América Latina - tal concepção já parte dos que aqui entraram a partir da invasão europeia, pois exclui o mundo anterior à sua entrada e tampouco filiada à raça humana.
Há, contudo, o reconhecimento de que existiram culturas autóctones desde mais de quarenta mil anos atrás e que toda esta variação étnica comportou pelo menos mais de duas mil línguas faladas. Trata-se de uma grande diferença em relação às poucas línguas faladas no continente europeu.
Sob a expressão conceitual de “América Latina” entendemos apenas o que se fez em pouco mais de quinhentos anos sob a hegemonia de europeus.
Já salientamos que o prisma europeu contém somente parte parcial da resposta as respeito da origem do homem americano. Se a pergunta é direcionada a nós mesmos, que em grande parte somos descendentes de europeus sabemos que a origem da maior parte dos atuais cidadãos americanos tem sua ancestralidade na Espanha, na Inglaterra, Portugal, Alemanha, Itália e outros países europeus. Todavia, se perguntamos pela origem dos ameríndios, então a resposta requer tateios mais complexos e que podem ser interpretados de formas distintas.

1.1.1        – Concepções antigas

A síntese filosófica Aristotélico-Tomista alargou a interpretação de monogenismo criacionista a partir de Adão e Eva, sobretudo, levando em conta uma concepção religiosa. Sob este prisma, Arias Montano (em 1571) intuiu uma explicação fácil para justificar a existência de povos na América. Seriam descendentes de SEM, filho de Noé, dos quais nos fala o antigo testamento da Bíblia. Outros ousaram ainda mais  nas deduções, e concluíram que os autóctones deste continente seriam descendentes de judeus.
Gregório Garcia (1607) sustentador desta mesma opinião observava muitas semelhanças relativas à mortal e aos costumes entre judeus e ameríndios. Não faltaram, tampouco, conclusões ainda mais fantasiosas vinculadas ao judaísmo: os ameríndios seriam descendentes das dez tribos de Israel e que se espalharam devido à dispersão que aconteceu no ano de 721 antes de Cristo, pela perseguição dos Assírios.
Da concepção antiga ainda resultou a interpretação de que a origem dos povos americanos estava vinculada ao “Mito de Atlântida”, de Platão, segundo o qual, Atlântida é um continente que desapareceu e, poderiam muito bem os nativos desta terra corresponder aos do continente americano.

1.1.2        – Autoctonismo
A conclusão de que os povos antigos da América tenham nascida aqui mesmo, começou a ser defendida por um importante paleontólogo, F. Ameghino, a partir de 1880. A partir de pesquisas geológicas, paleontológicas e pela arqueologia de ossos encontrados na Argentina, Ameghino formulou a hipótese de que a origem dos povos americanos teria de desencadeada no pampa da Argentina, há cerca de sessenta milhões de anos.
Embora interessante este pressuposto, os estudos das camadas geológicas do pampa argentino, não permitiram ratificar tais deduções. Os poucos ossos encontrados naquela região, sequer permitiram associá-los aos HOMO SAPIENS e menos ainda para afirmar que eram anteriores a este estágio humano das evoluções paleontológicas.
Assim não foi possível aceitar do Homoíndio e do Homo Pampeus, de Ameghino. E como não apareceram outros indícios mais evidentes nos achados arqueológicos para sustentar as hipóteses de que o homem americano tenha surgido aqui no continente americano, ficou descartada a suposição autoctonista e monogenista defendida por Ameghino. A questão permanece aberta para novos dados que comprovem a possível emergência local do homem americano.
Quanto à hipótese de eventual origem de uma única raça, Ales Hrdlica (1917) defendeu que os povos da América teriam surgido da raça asiática dos mongóis. Estes teriam entrado na América através do estreito de Bering, em torno de vinte a vinte e cinco mil anos atrás.
A favor desta suspeita está a efetiva possibilidade de que os mongóis poderiam ter cruzado o espaço do Alaska, separado por apenas 56 milhas (em torno de cem quilômetros) e ainda intermeado por diversas ilhas. A hipótese, no entanto, não se mostra muito plausível de aceitação porque há uma pluralidade de traços étnicos muito distintos nos povos americanos antigos.
Torna-se, por conseguinte, difícil sustentar que todos os povos ameríndios tenham uma única homogeneidade somática. Eventual hipótese de aceitação deste monotipismo dos povos americanos esbarra na constatação de uma grande variedade biológica dos habitantes desta terra.

2         – PROCEDÊNCIA DAS MUITAS RAÇAS AMERÍNDIAS

            Existem diversas teses, não necessariamente excludentes, que deduzem a existência de possíveis correntes migratórias para o povoamento da América antiga. Estas migrações teriam sido efetuadas a partir de diferentes lugares do planeta.
2.1  – Tese de Paul Rivet
             Paul Rivet defendeu que pelo menos quatro raças estão na raiz da formação do homem americano. Supôs que da Ásia poderiam ter chegado mongóis e esquimais, através do Estreito de Behring; ou, através do Oceano Pacífico, também poderiam ter chegado australóides e malaio-polinésios. Esta suposição apresenta plausíveis evidências de aceitação, dado que muitos povos americanos têm características fisionômicas de mongóis.
            Quanto à outra conclusão de Rivet relativa à entrada de australóides, sobretudo na América do Sul estão presentes os traços fisionômicos destas raças. Há, porém, maiores dificuldades para pressupor a vinda de australianos, apesar de terem sido exímios navegadores, pois, é pouco provável que tenham conseguido atravessar o Oceano Pacífico.
            Segundo as conclusões de Rivet, a probabilidade maior é a de que os malaio-polinésios tenham sido os ancestrais mais influentes e expressivos para o surgimento do homem americano. Em todo o continente americano há sinais de similitude entre os que ali residiram com os das raças malaio-polinésias, sobretudo pela estruturação óssea.
            Diversos povos das ilhas do Pacífico – como Fiji, Lealdade, Nova Caledônia, etc. – revelam semelhanças com os povos americanos antigos. Estes povos do Pacífico eram também exímios navegadores e certamente encontraram condições para virem até a América. A distância entre a costa americana e a Polinésia, além de contar com muitas ilhas, apresenta condições favoráveis à navegação devido ao vento e às correntes marítimas.
2.2  – Tese de Mendes Corrêa
            Mendes Corrêa, um antropólogo português levantou a suspeita de que os povos áustralo-tasmanóides tenham se deslocado para o continente americano através do polo sul da Antártica. Imaginou Mendes Correa, em torno de 1925, que, em alguma época teriam existido condições ideais e favoráveis para atravessar o polo sul, com suas muitas ilhas adjacentes. Desta forma, em torno de seis mil anos atrás, poderiam áustralo- tasmanóides ter migrado para a América.
            Quanto às temperaturas do polo norte e sul, há razoáveis suspeitas de que estes lugares tenham passado por grandes alterações climáticas devido às glaciações e seus descongelamentos, como nos dois polos se encontram carvão, fauna e flora, é muito provável que aquele espaço físico tenha sido soterrado pelo gelo, mas, que antes disso, permitiu passagem humana para a América.
Acredita-se, que segundo as pesquisas de J. Haugh. C. S. Pigott e W. Urry, que os polos norte e sul, entre seis e quinze mil anos não tenham tido gelos como hoje. Também foi comprovado que entre oito e nove mil anos antes de Cristo existiam tipos humanos mongóis na Patagônia e na Terra do Fogo.
            Esta tese de Mendes Corrêa é muito interessante e até lógica como hipótese, todavia, carece de dados arqueológicos mais concretos. Como ainda não foram localizados vestígios áustralo-tasmanóides na Antártica, a validação da tese depende do que ainda vai demorar mais um bom tempo, pois, enquanto as altas camadas de gelo não se decompõem, será pouco provável encontrar vestígios confirmadores da possibilidade deste eventual deslocamento da Austrália para a América, para, enfim, confirmar ou descartar a tese de Mendes Corrêa.

2.3     – Tese de Montandon
A tese de Montandon tem alguns pressupostos das teses anteriores, sobretudo no que diz respeito à origem das raças. No entanto, salienta outro caminho pelo qual os polinésios poderiam ter chegado à América.
O caminho teria sido o do Oceano Atlântico, através da ilha de Páscoa. Esta ilha encontra-se praticamente no meio do caminho entre a costa chilena e a Polinésia. A suspeita desta tese é reforçada pelos monumentos encontrados na ilha de Páscoa, e, ao que tudo indica, foram feitos por polinésios.
Na verdade, a suspeita de Montandon é a de que os polinésios teriam escravizado outros povos, entre os quais, os australianos, que teriam sido levados para aquela ilha e de lá estes escravos teriam chegado à América, depois de terem fugido dos polinésios e feito um percurso de três mil e duzentos quilômetros pelo mar, através de diversas ilhas e aportado nas costas do Chile.
Tal como a tese de Mendes Corrêa, esta de Montandon (1933) também carece de recursos comprobatórios.

2.4     – Tese de Imbeloni
            Embora ainda menos provável que as teses anteriores, a tese de Imbeloni defende que a entrada de áustralo-tasmanóides, teria acontecido por via terrestre. Estes povos teriam se deslocado da Ásia e chegado à América através do estreito de Behring.
            Imbeloni supôs a entrada de sete grupos distintos: Tasmanóides, Australóides,  Melanesóides, Protoindonésios, Indonésios, Mongolóides e Esquimais. Depois de terem entrado na América do Norte, teriam se espalhado até a América do Sul. Pode ter acontecido assim, mas a suposição não é muito evidente porque não há quaisquer indícios de provas para confirmá-la.

2.5     – Tese de Heyerdahl
            O norueguês Thor Heyerdahl fez uma viagem de travessia do Pacífico em 1947 com alguns companheiros e, em 111 dias de navegação, - numa jangada – chegou à Polinésia (Ilha de Thuamotu). Com os estudos comparativos que fez nesta viagem, concluiu exatamente o inverso das teses anteriores: não teriam sido os polinésios que teriam chegado à América, mas que os povos da América teriam se deslocado para a Polinésia, Ásia e Oceania. Por conseguinte, os polinésios seriam provenientes da América e da raça caucasóide.
            Como esta tese também não desfruta de elementos científicos fica difícil justifica-la. Entretanto, a travessia do Oceano Pacífico, numa jangada, reforça a possibilidade de aceitação de que povos asiáticos possam ter chegado ao continente americano ou, então, que os americanos tenham aportado na Ásia.

2.6     – Tese de Cotteville-Giraudet
            Entre 1928 e 1933 estes autores veicularam a tese de que a base da formação dos povos indígenas da América antiga, sobretudo os de pele roxa, teriam seus ancestrais na Europa. Seriam da procedência de homens tipo CROMAGNON. Esta tese não vai contra as anteriores, mas lhes acrescenta outra procedência. Segundo este pressuposto, especialmente na América do Norte, os nativos mostram muitas semelhanças com as da mencionada raça europeia. Estes CROMAGNON teriam chegado à América por via marítima, através da Escócia, Islândia, Groenlândia e outras partes.
2.7     – Tese da entrada de Africanos

            Entre as inúmeras possibilidades aventadas a respeito da possível origem do homem americano antigo, foi veiculada também a da procedência africana. Africanos teriam vindo à América, há muitos milhares de anos através da via marítima do Oceano Atlântico, cruzando pelas Ilhas Canárias para chegar à América. Como naquelas Ilhas não foi achado nenhum vestígio que pudesse atestar em favor do cruzamento de africanos para a América em períodos anteriores aos da escravização, esta tese também apresenta pouca possibilidade de sustentação.

CONCLUSÃO
            O que se pode deduzir de todas estas distintas teses? Em primeiro lugar carecem de argumentos científicos comprobatórios. Tampouco parece provável que toda esta variedade étnica espalhada pela América antiga anterior à invasão europeia, seja procedente de uma única origem racial.
            Por outro lado, há fortes indícios de que os mongóis tenham tido condições favoráveis para entrar na América através do Estreito de Behring. Quanto às outras procedências, embora possíveis, estão limitadas pela falta de dados confirmatórios.
Resulta, por fim, muito evidente que a curiosidade em torno da origem do homem americano ainda requer muita novidade para ser delineada devido à quase total carência de recursos arqueológicos. Mesmo assim, tudo leva a crer que tenha acontecido uma migração de diversas procedências.
(Texto publicado na REVISTA FILOSOFAZER, Ano II, n° 2, 1993, pp. 44 – 49)



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