Introdução
No campo da
Antropologia, como nas outras ciências, o conhecimento não é neutro. Quando um
antropólogo pesquisa e apresenta informações, ele as organiza de tal forma que
possam ser aceitas como científicas.
Aquele que
forneceu as informações – o pesquisado – entra muitas vezes como mero
informante. Em tal caso, certamente, não revelará jamais seu mundo simbólico
porque não sabe para que fins suas informações venham a ser usadas.
Há na
veiculação do que é tido como antropológico, um desejo de consumo, ou seja,
quer-se reproduzir um conjunto de informações, tidas como científicas, para que
um programa acadêmico de Antropologia conduza a certo resultado de contenções e
repressões.
Permitem-se apenas determinados comportamentos, sejam físicos
ou meramente intelectuais, dentro de um quadro de conhecimentos já
estabelecido. Deste modo, o que se afirma sobre um conteúdo acaba sendo mais
importante do que o próprio conteúdo.
Bem sabemos
que sobre a origem do homem circulam muitas explicações místicas, religiosas,
filosóficas e científicas. Atualmente o prisma científico é veiculado como o
mais seguro. Entretanto, não possui garantia absoluta para as suas afirmações.
A afirmação
de que o homem procede da matéria inorgânica ou de algum filo animal, ainda não
nos deixa tranquilos quanto às questões da origem da vida e os nexos que ela
mantém com a não vida.
Mesmo que se
defenda que a matéria equivale à energia, que esta é eterna, porque sempre se
potencializa e se atualiza em novas formas de matéria, isto ainda não nos
fornece seguras deduções a respeito do aparecimento do gênero humano.
As muitas
analogias que se fazem entre hominídeos e outros primatas acabam não nos
dizendo coisas mais seguras do que as afirmações místicas, religiosas e
filosóficas. Isto acaba se revelando muito evidente quando se quer saber algo
sobre a origem do homem americano, tema que abordaremos em rápidos traços.
1 – O HOMEM AMERICANO
Não há clara
concordância quanto à definição dos que residiram no continente americano
antigo. Basta ver que sob o prisma indígena, não cabe a expressão íbero-americano;
mas, esta expressão também não é adequada para a nossa identificação atual,
porque na maior parte não somos de procedência indígena.
Até mesmo a
palavra “indígena” é expressão criada pelos europeus ao entrarem nas terras
americanas, ocupadas por muitos povos. Por isso será oportuno observar algumas
configurações peculiares dos que constituem os povos do continente americano.
Segundo
Darcy Ribeiro, há pelo menos quatro configurações no processo civilizatório da
América:
a)
Os povos testemunho – são os que aqui residiam antes da
entrada dos conquistadores europeus. Resquícios destas manifestações culturais
ainda se encontram na Guatemala, no México e no altiplano andino;
b)
Povos novos – são os que resultaram da mestiçagem de
etnias e culturas formadas por europeus, indígenas e africanos. Estes surgiram
especialmente no Brasil, Venezuela, Colômbia, Paraguai, Chile, Antilhas e parte
da América Central.
c)
Povos transplantados – São os que ali se estabeleceram
através do processo de migração massiva de europeus. A ilustração mais expressiva
desta entrada foi a que se efetuou na Argentina e no Uruguai;
d)
Povos emergentes – são os que resultaram e que ainda
resultam da miscigenação das configurações anteriores, sendo que as etnias
africanas estão num destacado processo de ascensão.
A respeito do homem americano, temos pelas três últimas
configurações, a explicação da maior parte do povo latino-americano. Resta,
porém, saber algo a respeito dos que viviam na América em tempos anteriores à
entrada invasiva da civilização europeia.
1.1 – A pergunta pela origem
A pergunta pela origem desperta, imediatamente, diversas
outras perguntas: o homem americano antigo surgiu aqui no continente americano?
Se porventura veio de algum outro lugar, de onde veio, quando veio e como veio
para cá?
Ainda outras inquirições se tornam pertinentes: estes antigos
ameríndios são de uma única raça, ou provém de muitas raças? Caso tenham sido
oriundas de muitas raças, quais são?
Caso nos reportemos à América do Sul – normalmente
identificada como América Latina - tal concepção já parte dos que aqui entraram
a partir da invasão europeia, pois exclui o mundo anterior à sua entrada e
tampouco filiada à raça humana.
Há, contudo, o reconhecimento de que existiram culturas
autóctones desde mais de quarenta mil anos atrás e que toda esta variação
étnica comportou pelo menos mais de duas mil línguas faladas. Trata-se de uma
grande diferença em relação às poucas línguas faladas no continente europeu.
Sob a expressão conceitual de “América Latina” entendemos
apenas o que se fez em pouco mais de quinhentos anos sob a hegemonia de
europeus.
Já salientamos que o prisma europeu contém somente parte
parcial da resposta as respeito da origem do homem americano. Se a pergunta é
direcionada a nós mesmos, que em grande parte somos descendentes de europeus
sabemos que a origem da maior parte dos atuais cidadãos americanos tem sua
ancestralidade na Espanha, na Inglaterra, Portugal, Alemanha, Itália e outros
países europeus. Todavia, se perguntamos pela origem dos ameríndios, então a resposta
requer tateios mais complexos e que podem ser interpretados de formas
distintas.
1.1.1
– Concepções antigas
A síntese filosófica Aristotélico-Tomista alargou a
interpretação de monogenismo criacionista a partir de Adão e Eva, sobretudo,
levando em conta uma concepção religiosa. Sob este prisma, Arias Montano (em
1571) intuiu uma explicação fácil para justificar a existência de povos na
América. Seriam descendentes de SEM,
filho de Noé, dos quais nos fala o antigo testamento da Bíblia. Outros ousaram
ainda mais nas deduções, e concluíram
que os autóctones deste continente seriam descendentes de judeus.
Gregório Garcia (1607) sustentador desta mesma opinião
observava muitas semelhanças relativas à mortal e aos costumes entre judeus e
ameríndios. Não faltaram, tampouco, conclusões ainda mais fantasiosas
vinculadas ao judaísmo: os ameríndios seriam descendentes das dez tribos de
Israel e que se espalharam devido à dispersão que aconteceu no ano de 721 antes
de Cristo, pela perseguição dos Assírios.
Da concepção antiga ainda resultou a interpretação de que a
origem dos povos americanos estava vinculada ao “Mito de Atlântida”, de Platão,
segundo o qual, Atlântida é um continente que desapareceu e, poderiam muito bem
os nativos desta terra corresponder aos do continente americano.
1.1.2
– Autoctonismo
A conclusão de que os povos antigos
da América tenham nascida aqui mesmo, começou a ser defendida por um importante
paleontólogo, F. Ameghino, a partir de 1880. A partir de pesquisas geológicas,
paleontológicas e pela arqueologia de ossos encontrados na Argentina, Ameghino
formulou a hipótese de que a origem dos povos americanos teria de desencadeada
no pampa da Argentina, há cerca de sessenta milhões de anos.
Embora interessante este pressuposto,
os estudos das camadas geológicas do pampa argentino, não permitiram ratificar
tais deduções. Os poucos ossos encontrados naquela região, sequer permitiram
associá-los aos HOMO SAPIENS e menos ainda para afirmar que eram anteriores a
este estágio humano das evoluções paleontológicas.
Assim não foi possível aceitar do Homoíndio e do Homo Pampeus, de Ameghino. E como não apareceram outros indícios
mais evidentes nos achados arqueológicos para sustentar as hipóteses de que o
homem americano tenha surgido aqui no continente americano, ficou descartada a
suposição autoctonista e monogenista defendida por Ameghino. A questão
permanece aberta para novos dados que comprovem a possível emergência local do
homem americano.
Quanto à hipótese de eventual origem
de uma única raça, Ales Hrdlica (1917) defendeu que os povos da América teriam
surgido da raça asiática dos mongóis. Estes teriam entrado na América através
do estreito de Bering, em torno de vinte a vinte e cinco mil anos atrás.
A favor desta suspeita está a efetiva
possibilidade de que os mongóis poderiam ter cruzado o espaço do Alaska,
separado por apenas 56 milhas (em torno de cem quilômetros) e ainda intermeado
por diversas ilhas. A hipótese, no entanto, não se mostra muito plausível de
aceitação porque há uma pluralidade de traços étnicos muito distintos nos povos
americanos antigos.
Torna-se, por conseguinte, difícil
sustentar que todos os povos ameríndios tenham uma única homogeneidade
somática. Eventual hipótese de aceitação deste monotipismo dos povos americanos
esbarra na constatação de uma grande variedade biológica dos habitantes desta
terra.
2
– PROCEDÊNCIA DAS MUITAS RAÇAS
AMERÍNDIAS
Existem
diversas teses, não necessariamente excludentes, que deduzem a existência de
possíveis correntes migratórias para o povoamento da América antiga. Estas
migrações teriam sido efetuadas a partir de diferentes lugares do planeta.
2.1 – Tese de Paul Rivet
Paul Rivet defendeu que pelo menos
quatro raças estão na raiz da formação do homem americano. Supôs que da Ásia
poderiam ter chegado mongóis e esquimais, através do Estreito de Behring; ou,
através do Oceano Pacífico, também poderiam ter chegado australóides e
malaio-polinésios. Esta suposição apresenta plausíveis evidências de aceitação,
dado que muitos povos americanos têm características fisionômicas de mongóis.
Quanto à
outra conclusão de Rivet relativa à entrada de australóides, sobretudo na
América do Sul estão presentes os traços fisionômicos destas raças. Há, porém,
maiores dificuldades para pressupor a vinda de australianos, apesar de terem
sido exímios navegadores, pois, é pouco provável que tenham conseguido
atravessar o Oceano Pacífico.
Segundo as
conclusões de Rivet, a probabilidade maior é a de que os malaio-polinésios
tenham sido os ancestrais mais influentes e expressivos para o surgimento do
homem americano. Em todo o continente americano há sinais de similitude entre
os que ali residiram com os das raças malaio-polinésias, sobretudo pela
estruturação óssea.
Diversos
povos das ilhas do Pacífico – como Fiji, Lealdade, Nova Caledônia, etc. –
revelam semelhanças com os povos americanos antigos. Estes povos do Pacífico
eram também exímios navegadores e certamente encontraram condições para virem
até a América. A distância entre a costa americana e a Polinésia, além de contar
com muitas ilhas, apresenta condições favoráveis à navegação devido ao vento e
às correntes marítimas.
2.2 – Tese de Mendes Corrêa
Mendes Corrêa, um antropólogo
português levantou a suspeita de que os povos áustralo-tasmanóides tenham se
deslocado para o continente americano através do polo sul da Antártica.
Imaginou Mendes Correa, em torno de 1925, que, em alguma época teriam existido
condições ideais e favoráveis para atravessar o polo sul, com suas muitas ilhas
adjacentes. Desta forma, em torno de seis mil anos atrás, poderiam áustralo-
tasmanóides ter migrado para a América.
Quanto às temperaturas do polo norte
e sul, há razoáveis suspeitas de que estes lugares tenham passado por grandes
alterações climáticas devido às glaciações e seus descongelamentos, como nos
dois polos se encontram carvão, fauna e flora, é muito provável que aquele
espaço físico tenha sido soterrado pelo gelo, mas, que antes disso, permitiu
passagem humana para a América.
Acredita-se,
que segundo as pesquisas de J. Haugh. C. S. Pigott e W. Urry, que os polos
norte e sul, entre seis e quinze mil anos não tenham tido gelos como hoje.
Também foi comprovado que entre oito e nove mil anos antes de Cristo existiam
tipos humanos mongóis na Patagônia e na Terra do Fogo.
Esta tese de Mendes Corrêa é muito
interessante e até lógica como hipótese, todavia, carece de dados arqueológicos
mais concretos. Como ainda não foram localizados vestígios áustralo-tasmanóides
na Antártica, a validação da tese depende do que ainda vai demorar mais um bom
tempo, pois, enquanto as altas camadas de gelo não se decompõem, será pouco
provável encontrar vestígios confirmadores da possibilidade deste eventual
deslocamento da Austrália para a América, para, enfim, confirmar ou descartar a
tese de Mendes Corrêa.
2.3
– Tese de Montandon
A tese de Montandon tem alguns pressupostos das teses
anteriores, sobretudo no que diz respeito à origem das raças. No entanto,
salienta outro caminho pelo qual os polinésios poderiam ter chegado à América.
O caminho teria sido o do Oceano Atlântico, através da ilha
de Páscoa. Esta ilha encontra-se praticamente no meio do caminho entre a costa
chilena e a Polinésia. A suspeita desta tese é reforçada pelos monumentos
encontrados na ilha de Páscoa, e, ao que tudo indica, foram feitos por
polinésios.
Na verdade, a suspeita de Montandon é a de que os polinésios
teriam escravizado outros povos, entre os quais, os australianos, que teriam
sido levados para aquela ilha e de lá estes escravos teriam chegado à América,
depois de terem fugido dos polinésios e feito um percurso de três mil e
duzentos quilômetros pelo mar, através de diversas ilhas e aportado nas costas
do Chile.
Tal como a tese de Mendes Corrêa, esta de Montandon (1933)
também carece de recursos comprobatórios.
2.4
– Tese de Imbeloni
Embora ainda
menos provável que as teses anteriores, a tese de Imbeloni defende que a
entrada de áustralo-tasmanóides, teria acontecido por via terrestre. Estes
povos teriam se deslocado da Ásia e chegado à América através do estreito de
Behring.
Imbeloni
supôs a entrada de sete grupos distintos: Tasmanóides, Australóides, Melanesóides, Protoindonésios, Indonésios,
Mongolóides e Esquimais. Depois de terem entrado na América do Norte, teriam se
espalhado até a América do Sul. Pode ter acontecido assim, mas a suposição não
é muito evidente porque não há quaisquer indícios de provas para confirmá-la.
2.5
– Tese de Heyerdahl
O norueguês
Thor Heyerdahl fez uma viagem de travessia do Pacífico em 1947 com alguns
companheiros e, em 111 dias de navegação, - numa jangada – chegou à Polinésia
(Ilha de Thuamotu). Com os estudos comparativos que fez nesta viagem, concluiu
exatamente o inverso das teses anteriores: não teriam sido os polinésios que
teriam chegado à América, mas que os povos da América teriam se deslocado para
a Polinésia, Ásia e Oceania. Por conseguinte, os polinésios seriam provenientes
da América e da raça caucasóide.
Como esta
tese também não desfruta de elementos científicos fica difícil justifica-la.
Entretanto, a travessia do Oceano Pacífico, numa jangada, reforça a
possibilidade de aceitação de que povos asiáticos possam ter chegado ao
continente americano ou, então, que os americanos tenham aportado na Ásia.
2.6
– Tese de Cotteville-Giraudet
Entre 1928 e
1933 estes autores veicularam a tese de que a base da formação dos povos
indígenas da América antiga, sobretudo os de pele roxa, teriam seus ancestrais
na Europa. Seriam da procedência de homens tipo CROMAGNON. Esta tese não vai
contra as anteriores, mas lhes acrescenta outra procedência. Segundo este
pressuposto, especialmente na América do Norte, os nativos mostram muitas
semelhanças com as da mencionada raça europeia. Estes CROMAGNON teriam chegado
à América por via marítima, através da Escócia, Islândia, Groenlândia e outras
partes.
2.7
– Tese da entrada de Africanos
Entre as inúmeras possibilidades
aventadas a respeito da possível origem do homem americano antigo, foi
veiculada também a da procedência africana. Africanos teriam vindo à América,
há muitos milhares de anos através da via marítima do Oceano Atlântico,
cruzando pelas Ilhas Canárias para chegar à América. Como naquelas Ilhas não
foi achado nenhum vestígio que pudesse atestar em favor do cruzamento de
africanos para a América em períodos anteriores aos da escravização, esta tese
também apresenta pouca possibilidade de sustentação.
CONCLUSÃO
O que se
pode deduzir de todas estas distintas teses? Em primeiro lugar carecem de
argumentos científicos comprobatórios. Tampouco parece provável que toda esta
variedade étnica espalhada pela América antiga anterior à invasão europeia,
seja procedente de uma única origem racial.
Por outro
lado, há fortes indícios de que os mongóis tenham tido condições favoráveis
para entrar na América através do Estreito de Behring. Quanto às outras
procedências, embora possíveis, estão limitadas pela falta de dados
confirmatórios.
Resulta, por fim, muito evidente que a curiosidade em torno
da origem do homem americano ainda requer muita novidade para ser delineada
devido à quase total carência de recursos arqueológicos. Mesmo assim, tudo leva
a crer que tenha acontecido uma migração de diversas procedências.
(Texto publicado na REVISTA FILOSOFAZER, Ano II, n° 2, 1993,
pp. 44 – 49)
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