sexta-feira, 27 de outubro de 2017

A ESCAPADINHA DO SANTO



Taciturno no pedestal da santidade,
Onde outrora agregava irmandade,
Constatou que devotados orantes,
Já não eram fiéis como eram antes.

Sem memória dos humanitários atos,
É apenas apreciado por olhos pacatos,
Que em coisa alguma desejam imitá-lo,
E bem menos ainda, em algo escutá-lo.

Movidos por uma fé somente estética,
E distantes de qualquer postura ética,
Pedem milagre com grande desconto,
E que mude rápido o dolorido ponto.

Olham-no pelo simpático semblante,
E dele esperam uma ação extasiante,
Que cause emoções bem agradáveis,
E proteja contra os males inevitáveis.

Ele é o santinho do amor fantasiado,
Angelicamente divino e prendado,
Para auferir graças muito especiais,
Que mudam todas as dores banais.

Como agora deixaram sua mediação,
E focaram o amor em outra direção?
Ao frequentar outros novos lugares,
Estavam encantados por novos ares.

Viu que o sacrifício, já sem renúncia,
Mas obcecado por muita brogúncia,
Despertava todo afeto em comprar,
No contínuo processo de se superar.

Seus novos rituais de sacrificialismo,
Faziam trabalhar num determinismo,
Para alcançar o dinheiro da oferenda,
E fazer oblação de cotidiana prenda.

A oferta já não ia mais para o santo,
E, nem fitada no divino sacrossanto,
Mas, tudo parava no supermercado,
Ou comercializado no livre-mercado.

O afastamento do beatério devotado,
Levou a desconfiar de algo inusitado,
E o santo foi espiar o fervor dos fiéis,
Em locais sem incenso e sem vergéis.

Todos afoitos no excesso de objetos,
Atropelavam-se nos modos abjetos,
Pela maior quantidade de produtos,
Para abarrotar domiciliares redutos.

O santo olhou as casas abarrotadas,
E até fitou suas imagens sagradas,
Pois as suas feições multiplicadas,
Estavam difundidas e compradas.

A oferenda aos santos e divinos,
Era feita nos jantares mais finos,
Onde se repartia parte comprada,
Em sacrifício de memória sagrada.

O seu amor focado nestes objetos,
Desprovidos dos oráculos secretos,
Enfeitava o milagre na ceia servida,
E era disponibilizado como bebida.

No lugar da renúncia e abnegação,
O divino era consumir à exaustão,
E um farto self-service disponível,
Garantia uma felicidade indizível.

O santo não fez nada desonesto,
Mas pensou em cobrar o doesto:
                                          Ser indenizado por dano afetivo,
Pelo prejuízo na lida a tanto vivo.

Viu-se reduzido ao mero enfeite,
Apenas para o simpático deleite,
Sem nenhuma perspectiva futura,
E sem memória da sua lida dura.

Um imenso excesso era adorado,
E moderação, um ato desprezado,
Mas todos queriam o “deuzinho”
A lhes dar muito amor e carinho.

“Hiper” era a palavra mais falada,
E mercadinho a mais desprezada,
Nem mesmo “super” impactava,
Pois, para excesso, não importava.

As procissões ficaram diferentes,
Sem luz de velas incandescentes,
Pois, faróis iluminavam caminhos,
No rumo dos adorados cominhos.

O ato mais heroico de empanturrar,
Levou a um atrativo e servido altar,
Em que uma comilança à exaustão,
                                       Descortinava uma excelsa adoração.

Os riscos da morte vindos da comida,
Eram maiores que da desumana lida,
E advinham dos excessos ingeridos,
Dos sagrados alimentos deglutidos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...