As pessoas que se criaram em ambientes
rurais sabem o quanto naqueles ambientes se descarregam raivas e tensões sobre
animais, especialmente, cavalos, vacas leiteiras e bois de arado. Estes levam
muitas chicotadas por conta do deslocamento dos sintomas de quem lida com eles.
Da memória bíblica sabemos que, desde
muitos séculos antes de Cristo, vitimavam-se animais para servirem de reparação
pelos pecados humanos, ou, de mediação para obtenção dos especiais favores de
Deus. Ainda no tempo de Cristo era praxe normal sacrificar animais como meio de
estabelecer sintonia e diálogo com Deus.
Embora profetas já se exaurissem de tanto falar
que, para Deus, interessaria muito mais uma penitência do coração com
perspectivas de mudanças para ser melhor, ao invés de penitências exteriores e
sacrifícios vitimatórios, nem mesmo a morte de Jesus Cristo, esmoreceu a antiga
tradição. Sua morte serviu como referencial para que, finalmente, se parasse de
uma vez por todas com o sacrificialismo expiatório, isto é, o ato de sacrificar
outras vítimas que nada tinham a ver com os pecados humanos.
Sem muita demora, o próprio Jesus
Cristo foi transformado em vítima expiatória, e, ainda em nossos dias, Ele continua
sendo assimilado como aquele que morre diuturnamente pelos nossos pecados e,
até mesmo, nos memoriais da Eucaristia. Trata-se de uma associação complicada,
pois, pode induzir ao passivismo fatalista: ao se pecar, Jesus já morre mais
uma vez como perene moribundo, a fim de expiar o pecado cometido.
Neste círculo vicioso, e, nitidamente
mágico, não se considera nada da memória do que Jesus falou antes de ser
transformado em vítima expiatória de um momento histórico concreto. Seu modo de
vida e, de lida com as pessoas, mostrou que estava movido pelo evidente fim do
vitimalismo expiatório, ou seja, a histórica prática que requer que outra
pessoa ou animal pague pelo que alguém fez de mal ou de errado.
Talvez já esteja mais do que na hora
de mudar a linguagem religiosa que tanto repete o termo “sacrifício”, sobretudo,
nas celebrações eucarísticas. A palavra “sacrifício” presta-se muito para
ratificar o antigo conceito de vítima expiatória e, muito pouco para o rico contexto
da celebração memorial dos grandes sinais de Deus revelados em Jesus Cristo e
que nos interpelam para uma agir similar.
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