quarta-feira, 15 de abril de 2015

As vítimas de expiação



As pessoas que se criaram em ambientes rurais sabem o quanto naqueles ambientes se descarregam raivas e tensões sobre animais, especialmente, cavalos, vacas leiteiras e bois de arado. Estes levam muitas chicotadas por conta do deslocamento dos sintomas de quem lida com eles.
Da memória bíblica sabemos que, desde muitos séculos antes de Cristo, vitimavam-se animais para servirem de reparação pelos pecados humanos, ou, de mediação para obtenção dos especiais favores de Deus. Ainda no tempo de Cristo era praxe normal sacrificar animais como meio de estabelecer sintonia e diálogo com Deus.
 Embora profetas já se exaurissem de tanto falar que, para Deus, interessaria muito mais uma penitência do coração com perspectivas de mudanças para ser melhor, ao invés de penitências exteriores e sacrifícios vitimatórios, nem mesmo a morte de Jesus Cristo, esmoreceu a antiga tradição. Sua morte serviu como referencial para que, finalmente, se parasse de uma vez por todas com o sacrificialismo expiatório, isto é, o ato de sacrificar outras vítimas que nada tinham a ver com os pecados humanos.
Sem muita demora, o próprio Jesus Cristo foi transformado em vítima expiatória, e, ainda em nossos dias, Ele continua sendo assimilado como aquele que morre diuturnamente pelos nossos pecados e, até mesmo, nos memoriais da Eucaristia. Trata-se de uma associação complicada, pois, pode induzir ao passivismo fatalista: ao se pecar, Jesus já morre mais uma vez como perene moribundo, a fim de expiar o pecado cometido.
Neste círculo vicioso, e, nitidamente mágico, não se considera nada da memória do que Jesus falou antes de ser transformado em vítima expiatória de um momento histórico concreto. Seu modo de vida e, de lida com as pessoas, mostrou que estava movido pelo evidente fim do vitimalismo expiatório, ou seja, a histórica prática que requer que outra pessoa ou animal pague pelo que alguém fez de mal ou de errado.

Talvez já esteja mais do que na hora de mudar a linguagem religiosa que tanto repete o termo “sacrifício”, sobretudo, nas celebrações eucarísticas. A palavra “sacrifício” presta-se muito para ratificar o antigo conceito de vítima expiatória e, muito pouco para o rico contexto da celebração memorial dos grandes sinais de Deus revelados em Jesus Cristo e que nos interpelam para uma agir similar.

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