Existem
hábitos e hábitos: uns envolvem praxes nos procedimentos; outros, envolvem
vestuário de cunho religioso, talar e litúrgico.
1 - Hábitos
psicopáticos
No campo dos procedimentos humanos existem
hábitos doentios e psicopáticos, através dos quais pessoas se valem de
manipulações para obter confiança de outras pessoas. É o tipo de procedimento
em que pessoas exploram favores para prender outras pessoas à sua dependência,
através de sentimentos de dívida.
Como possuem um “ego” muito irreal e
elevado de si mesmas, as pessoas marcadas por traços psicopáticos gostam de
falar de si e de inflar-se com elogios aos procedimentos efetuados. Veem
perfeição nas táticas que usaram para vencer outras pessoas e mostram-se
arrogantes na capacidade de elevar ainda mais seu “ego”.
Como não são empáticas, as pessoas
psicopáticas pouco ligam para os outros, e mesmo que sofram adversidades,
sustentam seus procedimentos com firmeza e agressividade, porque se consideram
referências íntegras e corretas. E, para sustentar sua imagem acima do limiar
da normalidade, mentem descaradamente em função do que desejam. Em decorrência,
não vivenciam quaisquer sentimentos de vergonha, de arrependimento ou de culpa
pelo que prejudicaram outras pessoas.
Estes hábitos mórbidos revelam
indiferença diante dos outros. Tampouco se emocionam com suas dores ou
alegrias, porque são egoístas e confiam excessivamente em si mesmas. Por isso
também tendem a ser agressivas e violentas com as demais, uma vez que se
orientam precipuamente pelas suas práticas, rotinas e manias.
2 – Hábitos edificantes
Os hábitos, quer de horário, de
procedimentos de higiene, de equilíbrio da saúde; de boa relacionalidade; de
auto-controle; de vida saudável; de auto-avaliação; de busca e cultivo de
valores religiosos e de aprimoramento de auto-transcendência e de boa qualidade
de vida, etc., podem produzir não apenas identidade de elevada auto-estima,
mas, também de elevadas motivações para o bem viver.
Por outro lado, os mesmos bons
hábitos podem enrijecer a flexibilidade diante de novidades, imprevistos e
interpelações variadas que a toda hora aparecem. Assim, os hábitos podem agir
de forma similar à ação dos carrunchos na madeira e podem prejudicar tanto a
dimensão religiosa quanto de sensibilidade ante apelos fortes que advém de
todos os lados.
Os hábitos, se de um lado dão firmeza
e segurança ao que se faz, podem produzir resistência a quaisquer mudanças e
inovações, porque levam as pessoas a agarrar-se excessivamente a esquemas e
ideias inadequadas. Basta lembrar que a grande batalha de Jesus Cristo contra
os ancestrais judaicos do seu momento histórico visou tradições religiosas que
produziram um narcisismo dos que presumiam ser os bons praticantes das regras e
dos bons costumes herdados. Produziam uma vida estanque, injusta, estamental e
uma espiritualidade que os levava a um deleite da sua própria mediocridade. Na
imagem da pesca milagrosa, eles se conformavam com os minguados peixinhos da
beira do mar... A resistência produzida
pelos hábitos, levava estes grupos de judeus a resistirem à força do Evangelho,
porque preferiam suas práticas monótonas, repetitivas e alienantes.
Percebe-se, pois, que o “caruncho”
dos hábitos vai roendo paulatinamente toda a solidez dos ritmos de vida capaz
de motivar o empreendimento de mudanças na vida. O caminho da comodidade fácil
dos hábitos, sempre indica o sofá macio das seguranças, mas, também leva
consigo as inquietações, entusiasmos e paixões por algo novo e inusitado.
No livro “A Peste” Albert Camus já
explicitava que a pior epidemia não é a biológica, mas a moral, porque esta, em
situações de crise, induz à falta de solidariedade para fazer algo contra
prepotências, arrogâncias, genocídios. A crise, por sua vez, permite alastrar
também o melhor da vida que é pensar mais no bem-estar de outros do que no
próprio bem-estar.
Diante dos hábitos pode-se dizer que
o “estilo faz a doutrina”, ainda mais quando implica em muita renda e
entremeio.
3 – Hábitos Talares
Talar (do Latim “Talus” significa
calcanhar) constitui veste ampla que desce até os calcanhares e que passou a
constituir a veste comum dos clérigos.
Durante as perseguições dos primeiros
séculos do cristianismo ainda não se pensava em veste peculiar dos clérigos,
até mesmo porque não poderiam chamar atenção sobre si mesmos a fim de evitar
perseguição e morte. Deste modo, os clérigos, assim como os leigos, se vestiam
conforme o costume da época.
Para quem exercia funções religiosas
e litúrgicas havia a recomendação que usassem vestes limpas, sobretudo para os
ministros do altar. Geralmente não era a mesma roupa usada durante a semana.
No início do século IV, mudança no
costume da veste romana, levou ao abandono das vestes talares, ou túnicas
habituais, pois os romanos passaram a imitar os bárbaros que se vestiam com
roupas curtas e mais confortáveis.
A partir de concílios eclesiásticos da Igreja Católica, a novidade adotada pelos romanos não foi recomendada aos clérigos. Foi sugerido que permanecessem no uso da veste longa, fechada e escura, sem qualquer ornamento, como forma de expressar humildade e modéstia. Ademais a recomendação apontava para monges que viviam isolados e pobres. O vestuário simples, apenas uma túnica e um cinto, facilitava seu modo de vida. Tal costume tornou-se refratário para outras inovações ao longo dos séculos da história da Igreja. Já na Idade Média, os monges e clérigos, muito distantes da moda do vestuário quotidiano das pessoas, acabaram nitidamente distintos dos demais, pois, permaneceram com a batina simples de tempos mais antigos. Eles também recebiam um reforço, através de orientações de Concílios para que se mantivessem no costume mais antigo sem vestes espalhafatosas e luxuosas.
Os clérigos mais antigos, os eremitas,
vestiam-se de hábito de cor preta para simbolizar sua morte para o mundo. Com o
tempo, o hábito (batina) passou a tornar-se a veste comum para todos os
clérigos católicos, com outras expressões simbólicas: os trinta e três botões
pretendiam expressar alusão a vida de Jesus Cristo e os cinco botões em cada
manga pretendiam lembrar as chagas pelas quais o Senhor Jesus passou.
Mais tarde, pela influência da
tradição protestante, o hábito talar inteiramente preto passou a incorporar um
colarinho de cor branca, que, posteriormente também foi adaptado às camisas
clericais e conhecidas como “clergyman”. Acrescentou-se ainda o uso de uma
faixa na cintura, e, pendente para o lado esquerdo, tanto para ajustar o hábito
talar, ou batina, quanto para simbolizar o domínio sobre o fogo das paixões,
lembrando a parábola de Jesus Cristo acerca dos rins cingidos.
Sob este sinal de entrega a Cristo,
ocorreram muitas manifestações a fim de que os clérigos se vestissem de forma
similar aos demais, para evitar que eles se constituíssem num grupo à parte na
sociedade, uma vez que eles deveriam ser notáveis não pela veste fora de
costume, mas, pelo seu modo de ser e de vivenciar os valores evangélicos.
Mesmo assim, o uso da veste talar, ou
batina, foi obrigatório até o Concílio Vaticano II na década de 1960. A partir
deste Concílio o uso de batina ficou restrito a número insignificante de
clérigos mais idosos ou tradicionalistas.
Desaparecida do horizonte da vida
clerical, a batina vem ressurgindo sob outras motivações nos dias atuais, não
diretamente ligadas aos fatores de pertença produzidos pela moda das últimas
décadas. O que levaria a um movimento reacionário ao da moda atual?
Na década de 1980 surgiu nos Estados
Unidos um movimento neoconservador, no âmbito das Igrejas católicas, com grande
publicidade das orientações do padre Richard Gohn Neuhaus. Já no ano de 2005,
com a eleição de Bento XVI este movimento neoconservador e, já tecno-conservador,
criou uma tradição integrista com marcante retorno ao neotradicionalismo, que
cultivou como um dos pontos centrais a rejeição radical do concílio Vaticano
II, e, com este, a modernidade e a abertura da Igrejas a este mundo moderno.
Aos poucos este catolicismo conservador se revelou também antiliberal, que foi
além de João Paulo II e de Bento XVI, porque se aferrou à perspectiva de Víctor
Orbán, primeiro ministro húngaro no sentido de uma guerra à democracia liberal.
Com o Papa Bento XVI esta saudosa
característica da veste talar readquiriu novo fôlego, sobretudo, entre
seminaristas e padres novos, porque o Papa, com seu exemplo, voltou a
reintroduzir costumes já soterrados pelo passado, como chapéus e rendas usadas
no século XVI, além de algumas outras extravagâncias como o uso de sapatos
vermelhos e camisolas negras. Ainda que esta volta ao passado tenha sido
justificada como desejo de continuidade a celebrações marcantes de um outro
tempo, hoje já existe uma próspera indústria de moda religiosa impregnada pelo
saudosismo de tempos distantes.
Em torno destas bricolagens
religiosas, com muita franja e colorido, já surgem lojas internacionais
oferecendo peças de vestuário para clérigos que ultrapassam quatro mil euros,
ou seja, mais de vinte e quatro mil reais e afetam um intenso repertório de
consumismo, tanto no clero religioso quanto diocesano.
A roupa pomposa, em séculos passados,
já foi expressão de poder, pois, membros de Ordens religiosas tinham tantos
bens que estavam muito acima do nível econômico comum das pessoas e expressavam,
nas vestes requintadas, o seu prestígio político e seu poder.
A partir do Concílio Vaticano II, não vigora
mais esta identidade de Igreja, mas a do serviço, da simplicidade e os clérigos
são convidados a identificar-se no ambiente cultural das demais pessoas do
entorno.
Esta ampla volta ao uso de batina
apresenta uma visível conotação fundamentalista. Há regiões como África e Ásia
em que o clero tende à absorção dos costumes da moda vigente, e se veste com
roupas de todas as cores e se enfeita com aparatos extravagantes como
capulanas, turbantes, hábitos de cores variadas e se considera muito afinado
com os rumos da Igreja. No entanto, o hábito não é uma condição precípua para
ser clérigo.
O que se requer do clérigo é que seja
testemunho de vida e que os aparatos de vestes não o induzam ao status do poder
e de superioridade presumida pelo seu modo de ser, mas, que ele, como pessoa
humanitária, facilite a sociabilidade, a interação e a conformidade com o
ambiente de vida, sem a diferenciação de um suposto poder espiritual superior
caos demais.
Atualmente não se pode esquecer o
contexto no qual Jesus chamou seus primeiros seguidores na beira do mar da
Galiléia: ele os chamou, os acolheu e os elegeu para um serviço, que fugia
diametralmente das vestes e dos rituais dos sacerdotes do Templo, que,
mancomunados com o poder político estabelecido, oprimiam o povo de Israel.
Os chamados por Cristo foram
convidados a aprofundar uma relação existencial com Ele e, este pano de fundo,
ainda hoje configura o ministério dos clérigos: são chamados para serviço e não
para serem papagaios ornamentais; e, menos ainda, para constituírem uma
presumida casta superior que vive da nostálgica fantasia de um momento
histórico distante, e que já não se coaduna com as interpelações do nosso
tempo. Servem apenas para comprar alguns elogios e bajulações de outras pessoas
nostálgicas por vetustos encantamentos.
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