segunda-feira, 9 de novembro de 2020

DIOCESANEIDADE

 

 

Seguem algumas noções valiosas do livro “Diocesaneidade – esponsalidade e incardinação” (de Humberto R. de Carvalho; Edson Pereira e Eduardo da Costa, lançado pela Paulus, em 2020).

O assunto remete à vocação apostólica de Jesus, na beira do mar da Galiléia: chamou, recebeu, formou e enviou os apóstolos em missão. Eles deixaram barco, família e outros bens, mas, não a sua humanidade, nem sua história de vida e, nem mesmo a sua personalidade (identidade). Revelaram-se frágeis, com medos e limites; mesmo assim, mergulharam no mistério de Cristo.

Este caminho constitui referência para o significado da vocação presbiteral. A iniciativa é de Jesus que chama, que elege e forma. Os chamados são convidados para uma relação existencial que envolve seu ser, numa relação intensa com Jesus.

Diocesaneidade implica em amor e comprometimento pastoral pela Diocese. Deve constituir um vínculo amoroso, esponsal, espiritual e jurídico com a comunidade diocesana e se configura na incardinação, através da interação de quatro elementos: diocese, bispo, comunhão presbiteral e povo de Deus. Significa amor incondicional do padre na entrega solícita à Igreja, aos projetos pastorais, envolvendo respeito e afeto filial com o bispo, amizade sincera e desinteressada e fraterna com os demais presbíteros e paroquianos.

Diocesaneidade constitui uma experiência de pertença. Presbítero não é um líbero como num jogo de futebol, pois, está vinculada à diocese por uma espiritualidade. O carisma peculiar da diocesaneidade implica em amor pela diocese, em vivência presbiteral fraterna e no serviço ministerial dedicado ao povo de Deus.

Na diocesaneidade integra-se a pessoa do presbítero, o território da comunhão eclesial, o povo a quem o presbítero serve, o bispo e os demais irmãos, para: viver o seguimento de Cristo, efetuar o serviço do Reino, além de vivenciar Igreja e fraternidade.

Da relação do presbítero-Cristo com a Igreja decorre a esponsalidade: um mergulho no mistério do amor de Cristo e da Igreja, sem perder a identidade e nem abandonar a sua humanidade. A incardinação decorre desta intimidade com Cristo e a Igreja e significa serviço.

O termo “presbítero” a partir do concílio de Trento significava padre que não vivia em monastério, mas, no meio da sociedade secular. “Secular” tornou-se pejorativo: padre mundano, sem compromisso e sem espiritualidade específica. Com o Vaticano II a nova autocompreensão da Igreja delineou outro perfil de imagem: estado de consagração em que os presbíteros são chamados a encarnar na vida os conselhos evangélicos com amor incondicional à comunidade paroquial ou seminário ou outra função que exercem (Pastore Dabo Vobis, 1992).

Quanto à territorialidade, o concílio Vaticano II e o Direito Canônico estabeleceram: reunião e agrupamento de uma parte do povo de Deus estabelecido, primariamente em determinado espaço territorial, sob o pastoreio do bispo diocesano e apoiado pelos seus apoiadores (os presbíteros). Implica em amor e ardor pela diocese, o solo sagrado, o lugar de louvor e de serviço a Deus, ao Reino e à humanidade.

            Ao presbítero cabe amar, defender e cuidar da sua diocese: lugar de comunhão, participação e dialogo. Assim, cabe-lhe amor esponsal, jurídico e espiritual para com a diocese, pois, prometeu fidelidade, respeito e obediência. O presbítero deve ser solícito, zeloso e responsável para apascentar o povo de Deus como profeta da unidade a fim de que todos os seus membros se salvem. Ele não é aquele que sabe tudo e que tudo pode, mas, deve ser aquele que acolhe, respeita, dialoga, como disponível, acessível e misericordioso. Não constrói o reino de modo isolado e individual e autorreferencial na perspectiva midiática para ocupar o lugar de Cristo, mas deve ser sinal visível e fermento de Deus na humanidade.

Quanto à esponsalidade, o AT revela muitas alusões envolvendo a aliança de Deus com o povo (Sl 44, Cântico dos Cânticos, Ozéias, Jeremias, Ezequiel...). O Novo Testamento centraliza este tema: Jesus é o esposo da Igreja, por três razões: é uma imagem advinda das sagradas escrituras; a Igreja não decorre de mera soma de membros; e ela remete ao fim último e central do mistério criador e redentor.

O tema nupcial implica em duas direções: relação esponsal de Cristo com a Igreja; e a identificação do presbítero que decorre desta relação. O Novo Testamento elaborou a compreensão da nova aliança com a característica da esponsalidade: Cristo-esposo e Igreja-esposa.

Na Patrística aprofundou-se o sentido desta compreensão. Inácio de Antioquia viu a Igreja como fruto da encarnação e paixão de Cristo; Tertuliano viu nos sacramentos a explicitação do amor de Cristo com a Igreja; Orígenes viu entre Cristo e a Igreja o enlace sem mancha, sem ruga, santa e irrepreensível; Agostinho de Hipona assimilou a Igreja como esposa de Cristo.

O Magistério da Igreja retomou a relação Cristo-esposo e Igreja-esposa tanto na mística quanto na liturgia sacramental. O Vaticano II endossou a mesma relação quando se referiu ao Espírito Santo: Cristo, pela força do Evangelho rejuvenesce a Igreja. Esta relação esponsal é vista sob três aspectos: a) união de Cristo e a Igreja; b) Distinção entre Cristo e a Igreja; c) obediência da Igreja a Cristo.

O presbítero passou a ser identificado com Cristo. Entre o concílio de Trento e o do Vaticano II, os papas insistiram muito na associação de que o presbítero é “alter Christus”, enviado por ele para atuar em seu nome. Por isso, o presbítero deve revestir-se de Cristo em toda a ação sacramental e litúrgica, para atualizar no tempo a sua ação salvífica e sua Palavra, o Evangelho.

A CNBB também, enfatiza que o presbítero age “in Persona Christi”, na amizade pessoal e íntima com ele.

Da esponsalidade decorre também a incardinação. Nos primeiros tempos da Igreja a incardinação foi se firmando com a estabilidade das comunidades cristãs. No sentido estrito a incardinação equivale à incorporação estável e plena de um clérigo numa comunidade de fiéis, presidida pelo bispo. Este vínculo envolve três elementos: serviço ministerial, disciplina eclesiástica e sustento.

O Vaticano II efetuou um “aggiornamento” (atualização e renovação) teológico-pastoral para o bom e sadio desempenho do ministério presbiteral. Assim, incardinação, mais do que mero vínculo jurídico, significa vínculo espiritual em torno de três aspectos: exercício em comunhão hierárquica com os legítimos pastores; desvelo pela disciplina e boa reputação; e, digno sustento.

Nos primeiros séculos da Igreja a incardinação foi complicada devido às perseguições que exigiam muitos deslocamentos de apóstolos e sucessores. No século IV, de perseguida a Igreja passou a ser religião oficial do império romano. Com esta mudança surgiram diversos abusos, privilégios e indisciplina; alguns bispos usurpavam presbíteros de outros bispos e alguns também conferiam a Ordem sem nenhuma necessidade...

Trento (1545 a 1563) revigorou a incardinação e restabeleceu a disciplina. Mesmo assim, as mudanças econômicas trouxeram novos desafios à incardinação devido às atividades missionárias em outros continentes.

O código de Direito Canônico regularizou a situação jurídica dos presbíteros ao vinculá-los à Diocese, pois, antes eram apenas vinculados ao templo. A reforma do Vaticano II destacou o serviço do presbítero como título para o sustento numa estrutura eclesiástica concreta e ressaltou a unidade e comunhão no exercício da missão do ministério entre presbítero e bispo: comunhão hierárquica.

O elemento objetivo da incardinação é o do serviço ministerial numa estrutura pastoral concreta. Desta forma, a incardinação constitui um ato formal e jurídico pelo qual um presbítero vive uma aliança com a Igreja local, nutrindo com ela uma relação esponsal e um vínculo de pertença entre ambos. Como Cristo-esposo se entregou à Igreja-esposa, o presbítero diocesano é convidado a manter relação esponsal com a diocese. O padre diocesano deve ser portador do amor misericordioso e esponsal de Deus com todas as pessoas da comunidade.

 

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