Nos
últimos séculos, a sociedade cada dia mais técnica e industrializada, apresenta
uma tendência natural de estimular farta e especializada demanda de mão-de-obra
para operar na produção. Massificada, esta demanda, aceita condições submissas,
solitárias, e sem poder, e, paradoxalmente, suporta esta condição e se distrai
com sonhos e devaneios das grandezas de quem os espolia no trabalho.
A
banalização deste contexto vai gestando um contexto ético-político de
assimilação passiva de experiências e ações cada vez mais totalitárias, levando
pessoas a tolerarem a miséria e as múltiplas tiranias como fenômenos totalmente
normais da convivência. O pior, no entanto, é que a maioria da sociedade se
deixa capturar pelo critério de legitimidade governamental que a transforma em
meros seres naturais como outras viroses e bactérias, sem quaisquer
peculiaridades culturais e genuínas de convivência. Então, fica normal a
prática de atos atrozes porque quem os pratica não sente nem remorso, nem culpa
e nem responsabilidade.
A
grande pandemia social que banaliza o mal fica imiscuída dos ódios alimentados,
porque os constituintes da sociedade aceitam que governantes os estimulem para
tais atos execráveis. Como engrenagem de uma grande máquina, o indivíduo apenas
cultiva o sentimento de que deve cumprir o seu dever naquela função. E se a
função é difamar, provocar, ameaçar, intimidar ou matar, executa friamente a
função, sem o menor senso de culpabilidade. Como mero “animal laborante”, não
pensa nas consequências e, menos ainda, inquieta–se com os efeitos dos atos que
pratica. É apenas um animal tecnificado, burocratizado, que executa os comandos
superiores e no lugar da capacidade de inquirir sobre os acontecimentos,
sente-se bem ao ter cumprido ordens. Por isso, não pensa, não julga e tampouco admite
que possa mudar suas práticas rotineiras.
Diante
deste assustador retorno dos sintomas de governantes totalitários, encaixa-se
maravilhosamente bem o discurso religioso em torno do que o demônio é capaz de
fazer com as pessoas.
Apelações
religiosas largamente apregoadas e, muito alinhadas com posturas governamentais
totalitárias, oferecem aquele lenitivo agradável de que todos os males que se
manifestam na frágil dependência social dependem da ação do demônio e da
fraqueza pessoal de quem se submete a estas forças para incidir em atos maus.
Todavia, a maldade, muito mais do que de consciência pecadora, depende da
racionalidade da contingência humana e das características da interação humana.
O mal decorre precipuamente da instrumentalização de pessoas, deslocando-as do
foco de se constituírem fim, para restringi-las a serem meros meios.
Assim, a violência banalizada e
sistemática contra setores da população apresenta sempre o valoroso apelo da
eliminação do inimigo. Ele não tem nome, nem função e nem gênero. É
simplesmente um “elemento” dispensável e que não conta no corpo social. A
simples declaração de que, um partido, um sindicado ou qualquer outra
agremiação age, como inimiga do bem comum, permite o ousado direito de
torturar, perseguir e extinguir qualquer outro grupo ou semelhante. Desta
forma, a legitimação dos atos mais absurdos e irracionais, é extraída da mágica
inversão de que tais atos são altamente racionais e necessários. Basta declarar
o objeto da violência como inimigo, adversário, terrorista, marginal ou
delinquente que sua eliminação já fica justificada. E se afirmar que o sujeito
é “mau elemento” já conta com apreciação favorável para o imediato
desaparecimento, seja físico ou moral.
O
que assusta sobremaneira é como nossos noticiários estão impregnados de
informações sobre procedimentos totalitários com explícitos fanatismos
ideológicos, e que já não admitem pluralidade política, mas, sentem orgulho de
poder afugentar, perseguir e até torturar física e psiquicamente em nome da
ordem sustentada, e, mesmo demonstrando procedimento visivelmente mórbido, estão
de consciência tranquila porque fizeram o melhor do que tinham que fazer. Como
pobres amoucos (sem valor de si mesmos, brigam e matam pela ideia ou ordem de
outro que, por sua vez, não lhes dá simplesmente nada a não ser o orgulho de
terem agido em nome dele) defendem um engravatado bem produzido por multimídia.
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