As queixas relativas ao golpe que a
memória proporciona na hora de querer lembrar um dado importante tendem a aumentar
na proporção da velocidade comunicacional. A fugacidade dos dados da memória
constitui certamente um sintoma que perturba muita gente na sua auto-estima.
Seria início precoce da doença de esclerose, da demência ou de Alzheimer?
De fato, observar pessoas mais
avançadas em idade, não afetadas pelas doenças atrofiadoras, elas esnobam uma
invejável capacidade de reproduzir dados de muitas décadas atrás, com os
mínimos detalhes que envolveram os fatos e com as referências nominais de quem
viu, ouviu e acompanhou o desenrolar destes episódios.
É evidente que até bem pouco tempo
atrás o ritmo da vida parecia desenrolar-se com a sensação mais lenta e de que muito
poucas coisas quebravam o cotidiano rotineiro dos acontecimentos. Também as
informações eram mais escassas e mais locais. A memória as retinha com vasta
amplitude de detalhes e podiam ser acionadas a qualquer momento.
Sobretudo pessoas analfabetas
cultivavam uma herança milenar de associação aos fatos com traços do entorno. O
processo cognitivo de associação dos fatos marcantes com outras referências
lhes permitia descrever os detalhes com enorme quantidade de minúcias, a tal
ponto que qualquer fato irrisório dava assunto para longas conversas e muitos
narradores extrapolavam a paciência para assegurar a precisão dos fatos
lembrados como de absoluta veracidade, porque as cenas ficavam registradas com
uma imensa quantidade de minudências.
Atualmente constatamos uma notável
alteração da capacidade de retenção de dados. Mais do que problema de estresse
e esgotamento ou de alguma deficiência química, a memória passa a não ser mais
um inabalável suporte para as lidas cotidianas. É que o segredo do sistema
capitalista que nos envolve, vale-se de uma tática sutil que anula a capacidade
de reter muitos dados na memória. Joga a felicidade para o futuro e, através da
publicidade, tenta antecipá-la para ser desfrutada exaustivamente através dos
objetos consumo, tanto materiais como simbólicos e culturais. Assim, a
globalização tende a tornar reféns todos quantos tem potencialidade de comprar
muitas coisas e nem mesmo os pobres se escapam desta indução.
A extraordinária publicidade em
torno do que um objeto promete vem associada a uma afirmação positiva e
autoritária de que cada indivíduo precisa, como necessidade básica, adquirir
novos e de mais inovados objetos para ser feliz. Com a memória relegada e o
sonho frustrado, evade-se toda a presumida felicidade. O aborrecimento aparece
de imediato, mas, também, e na mesma hora, ele também é relegado pelo
oferecimento insinuante de outros objetos portadores de felicidade inusitada e
mais duradoura. Assim, o movimento protelatório da felicidade requer imediato
deslocamento para algo novo que corre na frente da vida real e indica o caminho
capaz de propiciar aquela almejada felicidade. Assim, outro foco de felicidade,
leva ao esquecimento instantâneo do sonho com a aquisição anterior, e ativa
todos os desejos sobre um novo e possível objeto de consumo. O que frustrou, vai
para o lixo e some.
Neste movimento que obriga a todos a
desejar ardentemente a mediação da felicidade, importa esquecer rapidamente o
passado e buscar afoitamente o que é associado ao novo objeto de alcance, e
que, por sua vez, implica em mais trabalho, mais economia. Para isso, nada
importam detalhes da vida passada, imagens, lembranças, feições, porque não
contribuem para alimentar os desejos de alcance de parcelas preciosas do
paraíso disponível remetido ao futuro.
A perspectiva futura, alargada com
infinitas possibilidades novas, descarta ao campo da amnésia o dito, o
prometido, o jurado e o assumido com plena responsabilidade. Assim, ninguém se
importa com a desigualdade entre ricos e pobres, pois todos são potencialmente
aptos e capazes de consumir coisas novas, sejam objetos, pessoas, identidades
ou alterações no próprio imagético. Afinal, como tudo que não preencheu a
felicidade desejada, ficar numa mesma condição, parece constituir caminho
irreversível para virar lixo diante dos outros.
Certamente poucas pessoas captam a
preferência dada a aspectos atraentes dos objetos apresentados para serem
consumidos, desde corpo, imagem, fama, até o multifacetário mundo das novas
invenções, pois ocorre, simultaneamente, uma insinuação de que é preciso ser
mais rápido que os demais a fim de brilhar, pelo menos por um instante, como
herói que alcançou felicidade em amplitude maior.
A estreita relação entre novidade e
esquecimento constitui certamente o fator decisivo da sensível perda de memória
em qualquer faixa etária da vida. O hábito cotidiano de rapidamente esquecer o
que causou aborrecimento por não preencher a expectativa alimentada, absorve
todas as energias para produzir mais a fim de poder alcançar o novo foco a
prometer mais felicidade. Por isso a bússola do cérebro, já não aponta mais
para recordações e memórias recriadoras da razão da existência, mas, indica precipuamente
o único foco de crescimento econômico, que requer sangue, suor, e o máximo do
que o débil corpo humano consegue render na produção, pois, com seu grande
mito, obriga indistintamente a todos para que comprem mais e esqueçam o
aborrecimento deixado pela frustração da aquisição da última compra.
A grande máquina do sistema consegue
produzir contínuas e novas ofertas ao consumo, e, aliada ao recurso da
publicidade, consegue nivelar a todos no mesmo desejo sem memória. Nesta
protelação constante da felicidade almejada, a vida se encurta e a razão da
existência, é furtada por quem não devolve nada.
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