sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

MEDO DOS MEDOS




            A onipresença de medos, presentes no cotidiano da curta vida humana, revela incontáveis facetas de ameaças, a tal ponto que as experiências passadas que envolveram muito medo, ampliam outros medos de medos similares e, de outros ainda mais cruéis.
            No processo cultural o número dos medos tende a crescer paulatinamente, e também tende a aumentar a variedade de suas incidências. Podem ser difusas, incertas, duvidosas e apresentar incontáveis susceptibilidades de risco: como a de que o calor aumente em demasia, a de que a fome aumente drasticamente, a de que o frio congele demais, a de que pessoas ameacem a vida, a de que a tarefa seja demasiadamente difícil, medo de que ciúmes e invejas venham a matar, medo de que alimentos, a água e o ar possam estar contaminados, medo de gênios humanos maldosos, medo de ódios, de viroses, medo dos preços do petróleo, medo de eventual queda das Bolsas, medo de avião, medo de que a oferta de crédito constitua um golpe... Se estes e inumeráveis outros medos representam ameaça, o clima do pânico tende a aumentar ainda mais o tormento do mundo subjetivo, com a amplitude de acréscimos que lhes são alargados através da fantasia e dos excessivos alertas globais, que veiculam um clima favorável para o constante avivamento dos medos.
            Se os medos reais e objetivos já constituem uma perturbação ao psiquismo humano, a memória dos muitos medos, que já rondaram a vida em tempos passados, tende a antecipar ainda mais os possíveis medos de que muitas outras apavorantes ameaças podem proporcionar. A absorção do entorno humano, que gosta de retomar e recontar os medos experimentados e, os suscetíveis de eventual ocorrência, cria, por sua vez, um clima envolvente de insegurança e de vulnerabilidade a respeito das reais possibilidades de sobreviver aos medos enfadonhos.
            Na frágil confiança de sobreviver aos medos, ainda ameaçam as intensidades e o volume dos medos reais e insinuados. Sair ileso deste emaranhado, ainda requer a capacidade de lidar com diferentes níveis de medos. Sygmunt Baumann (Medo líquido – la sociedade contemoránea y sus temores. Barcelona, Paidós, 2006, p.12) destaca três tipos de perigos:
a)     Ameaças ao corpo e às propriedades;
b)    Ameaças contra a ordem e a estabilidade social;
c)     Ameaças ao lugar que se ocupa no mundo (a posição na hierarquia social, a identidade de classe, de gênero, identidade de etnia, de pertença social e religiosa) e imunidade ante a degradação social, ao lado dos riscos de exclusão social.
            Ao já difícil quadro das interpelações de muitos medos, também o Estado se constitui em fonte de muitos medos. Sobrevive com a pretensão de proteger seus súditos contra múltiplas ameaças e riscos, mas, ele não cumpre as promessas, ou as cumpre muito parcialmente e ainda delega sua batalha contra medos ao âmbito da política pessoal de cada indivíduo.
            O mórbido clima de medos advindos de todos os lados, e, em muitas estratificações de níveis da vida humana, agrava a produção de novos e inquietantes medos com os excessivos alertas globais, em torno de viroses, contaminações, terrorismos, guerras, truculências, enchentes, secas, chacinas, genocídios e o intenso alarmismo de “fake-news” sobre iminência de sinistros.
            Enfim, no caminho ascendente e cada vez mais largo de medos está vindo contra nós, e, - em tamanho colossal, - outro medo: o do “silêncio silenciado”. Trata-se do medo aterrador, de que mesmo estando vivo, se está fadado ao silêncio de ser relegado, preterido, esquecido, não visto, e, se visto, com o nome sujo, e como mero lixo descartável. Assim, nem mesmo os analgésicos desvios da aquisição de objetos novos para ser feliz, acalmam o desconforto das ameaças que, quais ondas provindas de mares, entram até pelo nariz e sufocam a respiração com água muito salgada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...