A onipresença de medos, presentes no cotidiano da curta
vida humana, revela incontáveis facetas de ameaças, a tal ponto que as
experiências passadas que envolveram muito medo, ampliam outros medos de medos
similares e, de outros ainda mais cruéis.
No processo cultural o número dos medos tende a crescer
paulatinamente, e também tende a aumentar a variedade de suas incidências.
Podem ser difusas, incertas, duvidosas e apresentar incontáveis
susceptibilidades de risco: como a de que o calor aumente em demasia, a de que a
fome aumente drasticamente, a de que o frio congele demais, a de que pessoas
ameacem a vida, a de que a tarefa seja demasiadamente difícil, medo de que
ciúmes e invejas venham a matar, medo de que alimentos, a água e o ar possam
estar contaminados, medo de gênios humanos maldosos, medo de ódios, de viroses,
medo dos preços do petróleo, medo de eventual queda das Bolsas, medo de avião,
medo de que a oferta de crédito constitua um golpe... Se estes e inumeráveis
outros medos representam ameaça, o clima do pânico tende a aumentar ainda mais
o tormento do mundo subjetivo, com a amplitude de acréscimos que lhes são alargados
através da fantasia e dos excessivos alertas globais, que veiculam um clima
favorável para o constante avivamento dos medos.
Se os medos reais e objetivos já constituem uma
perturbação ao psiquismo humano, a memória dos muitos medos, que já rondaram a
vida em tempos passados, tende a antecipar ainda mais os possíveis medos de que
muitas outras apavorantes ameaças podem proporcionar. A absorção do entorno
humano, que gosta de retomar e recontar os medos experimentados e, os
suscetíveis de eventual ocorrência, cria, por sua vez, um clima envolvente de
insegurança e de vulnerabilidade a respeito das reais possibilidades de
sobreviver aos medos enfadonhos.
Na frágil confiança de sobreviver aos medos, ainda
ameaçam as intensidades e o volume dos medos reais e insinuados. Sair ileso
deste emaranhado, ainda requer a capacidade de lidar com diferentes níveis de
medos. Sygmunt Baumann (Medo líquido – la
sociedade contemoránea y sus temores. Barcelona, Paidós, 2006, p.12)
destaca três tipos de perigos:
a) Ameaças
ao corpo e às propriedades;
b) Ameaças
contra a ordem e a estabilidade social;
c) Ameaças
ao lugar que se ocupa no mundo (a posição na hierarquia social, a identidade de
classe, de gênero, identidade de etnia, de pertença social e religiosa) e
imunidade ante a degradação social, ao lado dos riscos de exclusão social.
Ao já difícil quadro das interpelações de muitos medos,
também o Estado se constitui em fonte de muitos medos. Sobrevive com a
pretensão de proteger seus súditos contra múltiplas ameaças e riscos, mas, ele
não cumpre as promessas, ou as cumpre muito parcialmente e ainda delega sua
batalha contra medos ao âmbito da política pessoal de cada indivíduo.
O mórbido clima de medos advindos de todos os lados, e,
em muitas estratificações de níveis da vida humana, agrava a produção de novos
e inquietantes medos com os excessivos alertas globais, em torno de viroses,
contaminações, terrorismos, guerras, truculências, enchentes, secas, chacinas,
genocídios e o intenso alarmismo de “fake-news” sobre iminência de sinistros.
Enfim, no caminho ascendente e cada vez mais largo de
medos está vindo contra nós, e, - em tamanho colossal, - outro medo: o do “silêncio
silenciado”. Trata-se do medo aterrador, de que mesmo estando vivo, se está
fadado ao silêncio de ser relegado, preterido, esquecido, não visto, e, se
visto, com o nome sujo, e como mero lixo descartável. Assim, nem mesmo os
analgésicos desvios da aquisição de objetos novos para ser feliz, acalmam o
desconforto das ameaças que, quais ondas provindas de mares, entram até pelo
nariz e sufocam a respiração com água muito salgada.
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