sexta-feira, 17 de maio de 2024

O TOURO AMÂNCIO

 

 

            De enorme envergadura, o touro Amâncio, da raça holandesa, apresentava uma peculiaridade especial: mal-humorado e bravo como só ele! As dezoito vacas sob seu império, numa pequena chácara, não acalmavam seu ar de carrancudo.

Pedro e Felipe, jovens estudantes de segundo grau, tinham, ao lado das tarefas escolares, a missão de cuidar da leitaria e todos os dias tinham que lidar com o touro Amâncio. Não bastaram as muitas reclamações com o patrão a respeito dos riscos de vida que Amâncio lhes apresentava.

A resposta do patrão era sempre a mesma: vocês são muito medrosos! Mesmo sempre armados com um pedaço de cano galvanizado para lhe bater na cabeça, o touro não se intimidava.

Um dia Felipe errou a batida com o ferro e Amâncio lhe deu uma chifrada perigosíssima. A sorte foi a de que a camisa e a blusa que usava eram desgastadas pelo uso e se romperam. Um chifre pegou no lado da cintura e lhe tirou uma tira de couro no lado das costas, junto com a ruptura da roupa. Voltaram os dois a reclamar com o patrão, que era um padre.

Repetiu a conhecida cantilena irônica e debochada: vocês são muito medrosos!

De tardezinha, na hora da ordenha, o touro estava deitado na frente do estábulo e apareceu o padre. Chegou de mansinho, vestido com batina cinza, e foi passando a mão do dorso do touro. Quando menos esperou, o touro deu uma soprada forte, e, numa virada repentina, se ergueu e lhe desferiu uma chifrada que o jogou a pelo menos um metro e meio de altura, com um detalhe cinematográfico. Como o padre vestia batina, ela lhe caiu sobre o corpo e apareceram as pernas brancas no ar. Caiu como um saco de estopa cheia de farelo.

Pedro e Felipe tiveram que conter-se para não exultar e gozar aos gritos com o visual daquela cena. O padre, assim como conseguiu alinhar-se com a batina, saiu em disparada e veio até o estábulo.

Os dois ordenhadores, para não rir diante do padre, esconderam o rosto atrás das vacas, como se não tivessem percebido cenário tão pitoresco. O padre se aproximou deles e com sua típica voz mansa e dengosa falou: Acho que vamos mandar beneficiar o Amâncio!

No dia seguinte, às cinco horas da manhã, estava ali o padre e o castrador de touro. Feito o procedimento de extração da fonte das potências seminais do touro Amâncio, veio a recomendação de um trato abundante de ração e mandioca a fim de que o “ex-touro” viesse a reder muita carne.

Longos meses de fartura de comida não apontavam para qualquer sinal de aumento de peso. Com um razoável prejuízo consumado, pelo que Amâncio devorava todos os dias sem engordar, o padre resolveu finalmente, abatê-lo.

Ao se abrir a buchada do dito animal, constatou-se a possível fonte da brabeza de Amâncio: estavam ali, cinco cuecas de elastina que ele havia alcançado no varal de secar roupa. A suspeita de Pedro e André, estava sendo a de que algum vivente humano, movido por fetiche por cuecas, havia surrupiado aquelas peças. Constatado que o touro Amâncio as deglutiu, e que elas estavam retidas ali no seu bucho, chegaram a um diagnóstico de senso comum: esta extraordinária brabeza de Amâncio deve ter sido, na verdade, sua diária e contínua dor de barriga.

 

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