De
enorme envergadura, o touro Amâncio, da raça holandesa, apresentava uma
peculiaridade especial: mal-humorado e bravo como só ele! As dezoito vacas sob
seu império, numa pequena chácara, não acalmavam seu ar de carrancudo.
Pedro e Felipe, jovens
estudantes de segundo grau, tinham, ao lado das tarefas escolares, a missão de
cuidar da leitaria e todos os dias tinham que lidar com o touro Amâncio. Não
bastaram as muitas reclamações com o patrão a respeito dos riscos de vida que
Amâncio lhes apresentava.
A resposta do patrão
era sempre a mesma: vocês são muito medrosos! Mesmo sempre armados com um
pedaço de cano galvanizado para lhe bater na cabeça, o touro não se intimidava.
Um dia Felipe errou a
batida com o ferro e Amâncio lhe deu uma chifrada perigosíssima. A sorte foi a
de que a camisa e a blusa que usava eram desgastadas pelo uso e se romperam. Um
chifre pegou no lado da cintura e lhe tirou uma tira de couro no lado das
costas, junto com a ruptura da roupa. Voltaram os dois a reclamar com o patrão,
que era um padre.
Repetiu a conhecida
cantilena irônica e debochada: vocês são muito medrosos!
De tardezinha, na hora
da ordenha, o touro estava deitado na frente do estábulo e apareceu o padre.
Chegou de mansinho, vestido com batina cinza, e foi passando a mão do dorso do
touro. Quando menos esperou, o touro deu uma soprada forte, e, numa virada
repentina, se ergueu e lhe desferiu uma chifrada que o jogou a pelo menos um
metro e meio de altura, com um detalhe cinematográfico. Como o padre vestia
batina, ela lhe caiu sobre o corpo e apareceram as pernas brancas no ar. Caiu
como um saco de estopa cheia de farelo.
Pedro e Felipe tiveram
que conter-se para não exultar e gozar aos gritos com o visual daquela cena. O
padre, assim como conseguiu alinhar-se com a batina, saiu em disparada e veio
até o estábulo.
Os dois ordenhadores,
para não rir diante do padre, esconderam o rosto atrás das vacas, como se não
tivessem percebido cenário tão pitoresco. O padre se aproximou deles e com sua
típica voz mansa e dengosa falou: Acho que vamos mandar beneficiar o Amâncio!
No dia seguinte, às
cinco horas da manhã, estava ali o padre e o castrador de touro. Feito o
procedimento de extração da fonte das potências seminais do touro Amâncio, veio
a recomendação de um trato abundante de ração e mandioca a fim de que o “ex-touro”
viesse a reder muita carne.
Longos meses de fartura
de comida não apontavam para qualquer sinal de aumento de peso. Com um razoável
prejuízo consumado, pelo que Amâncio devorava todos os dias sem engordar, o
padre resolveu finalmente, abatê-lo.
Ao se abrir a buchada
do dito animal, constatou-se a possível fonte da brabeza de Amâncio: estavam
ali, cinco cuecas de elastina que ele havia alcançado no varal de secar roupa.
A suspeita de Pedro e André, estava sendo a de que algum vivente humano, movido
por fetiche por cuecas, havia surrupiado aquelas peças. Constatado que o touro
Amâncio as deglutiu, e que elas estavam retidas ali no seu bucho, chegaram a um
diagnóstico de senso comum: esta extraordinária brabeza de Amâncio deve ter
sido, na verdade, sua diária e contínua dor de barriga.
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